domingo, 29 de outubro de 2017

Maria foi obediente?

Ouvimos dizer que Maria foi uma mulher silenciosa e obediente. Antigamente, se acreditava que uma pessoa obediente não questionava nada e simplesmente seguia as normas e orientações de seus “superiores”. Os filhos obedeciam aos pais. A mulher obedecia ao marido. Os cidadãos obedeciam às leis e às autoridades civis e religiosas. Hoje, as pessoas não aceitam essa obediência cega. Querem saber os motivos de uma orientação da autoridade. Questionam quando se sentem injustiçadas. Percebem quando determinações “vindas de cima” não levam em conta a situação dos indivíduos, ou não visam o bem comum. Lutam para que sejam modificadas. Não aceitam que a mulher seja submissa ao marido. Cada vez mais, queremos ser ouvidos e participar dos processos decisórios.

Jesus era obediente ao Pai. Não foi fácil, pois a vontade de Deus não era tão evidente. Assim, ele passa longo tempo no deserto, preparando sua missão. Ali vence todo tipo de tentação, o que fortalece suas convicções (Lc 4,1-13). Jesus se retira em oração, antes de tomar decisões importantes, como para escolher os dois apóstolos (Lc 6,12s).  Quando percebe a possibilidade real da morte na cruz, vive uma grande luta interior, a ponto de suar como sangue: “Pai, afasta de mim este cálice. Mas que seja feita a tua vontade (Lc 22,42-44). Jesus aprendeu a obedecer (Hb 5,8). Foi um processo de toda a vida.

Porque Jesus vive nesta intimidade com o Pai, é livre diante das leis religiosas e civis do seu tempo. Parece desobediente. Jesus denuncia que muitas dessas determinações legais escravizavam as pessoas e não expressavam a vontade de Deus. Assim, ele come e bebe com pobres e pecadores (Mc 1,15-17), o que escandaliza os escribas e fariseus. Cura no sábado, o que não era permitido (Mc 3,1-5). Deixa seus discípulos tomarem as espigas de trigo para comer, nesse dia. Proclama: “o sábado foi feito para o homem, o não o homem para o sábado” (Mc 2,27). Questiona o excesso de ritos de purificação: “o que torna impuro é aquilo que sai do coração humano” (cf. Mc 7,1-23). Diz que a oferta da pobre viúva era a mais preciosa! (Lc 21,1-4). Valoriza as mulheres, a ponto de incorporá-las com suas seguidoras e colaboradoras, o que não era normal (Lc 8,1-3).


A obediência de Maria não era a atitude passiva de uma mulher submissa. Na anunciação, ela responde com vigor ao convite de Deus. Visitar Isabel é uma atitude corajosa, pois as mulheres não podiam viajar sozinhas. Durante muitos momentos da vida, ela busca o sentido dos fatos para descobrir o que Deus lhe falava (Lc 2,19.51). Ser obediente à Deus lhe traz muita alegria, como ela expressa no seu cântico de louvor (Lc 1,47). Mas também conflito e dor, como uma espada que corta o coração (Lc 1,35). Maria acompanhou Jesus, e aprendeu muito com ele, durante sua vida pública. 

Como Jesus, também ela aprendeu a obedecer. Que Maria nos ensine esta obediência ativa, dinâmica e participativa.

sábado, 14 de outubro de 2017

Maria na liturgia

Como Igreja, somos uma comunidade organizada, com ritos e normas. No correr dos séculos, a Igreja desenvolveu, no conteúdo e na forma, uma forma própria para fazer memória, agradecer, pedir, escutar a Palavra de Deus e celebrar a ceia do Senhor. O culto ganha expressão na liturgia e na devoção.
Na liturgia reformada após o Vaticano II, Maria foi colocada em íntima relação com o mistério de Cristo e da Igreja. No Advento, preparamo-nos para a vinda do Senhor, esperando como Maria durante sua gravidez. No tempo do Natal, alegremente celebramos com ela a encarnação do Filho do Deus. Ao longo do tempo comum, acompanhamos com Maria a missão de Jesus, que revela o Pai com gestos e palavras. Durante a quaresma, Maria e todos os santos se unem a nós para respondermos ao apelo à conversão, à busca do essencial. Na semana santa, acompanhamos a paixão e morte do Senhor, vivendo com Maria a “noite escura”. No tempo pascal, com Maria exultamos, pois o Senhor ressuscitou de verdade e vive glorioso, no Céu e na Terra. Portanto, durante todo o ciclo litúrgico, mais do que rezar para Maria, oramos como ela e na sua companhia, na grande corrente da Comunhão dos Santos.
No correr do ano litúrgico, Maria também ganha destaque. Há três tipos de celebrações marianas, por ordem de importância: as solenidades, as festas e as memórias. As solenidades, como o nome indica, constituem as celebrações mais importantes. Em todo o mundo elas são quatro: Maria, Mãe de Deus (1º jan), Anunciação (25 março), Assunção (15 agosto) e Imaculada Conceição (8 dez). Em cada diocese e país, há ao menos uma solenidade própria do lugar. Dentre as festa marianas, recordamos a da Visitação. 

Existem várias memórias marianas, como: nascimento de Maria e as “Nossas Senhoras”, como a das Dores, de Fátima, do Carmo e do Rosário. Algumas delas são memórias facultativas, ou seja, opcionais. Uma celebração de memória pode ser elevada à solenidade em determinada região. Na América Latina, NS. Guadalupe se tornou solenidade, pois foi proclamada padroeira de nosso continente. E Aparecida, para o nosso país.


Nas solenidades, festas e memórias de Maria, os padres e as equipes de liturgia devem ajudar a assembleia a conhecer mais e melhor a mãe de Jesus. E também a relacionar Maria com Jesus Cristo e a comunidade de seus seguidores.
Afonso Murad
Publicado no Folheto ODomingo

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

domingo, 8 de outubro de 2017

Maria nos abraça e nos leva a Jesus

Quando se vê alguém pela primeira vez, costuma-se apertar sua mão e dizer: “muito prazer” ou uma frase parecida. À medida que as pessoas se tornam mais próximas,  olham-se e trocam sorrisos. Conforme a cultura local, parentes e amigos se saúdam com um abraço ou beijo no rosto. Há abraços e beijos meramente formais, de pessoas que nem se conhecem bem. Perigosos são aqueles gestos fingidos, como o beijo de traição de Judas.

Existem abraços que vem do fundo do coração, a ponto de substituir qualquer palavra. Abraço de sintonia com a dor do outro. De contentamento, diante de uma vitória alcançada. Abraço silencioso de amor e afeto, transmitindo ‘estou ao seu lado, conte comigo’. A expressão ‘abraçar’ também se aplica de forma simbólica, para expressar um compromisso de vida. Assim, dizemos que Dom Helder Câmara “abraçou” a causa da justiça, em defesa dos mais pobres.

Ser abraçado pelo amor de alguém é receber gratuitamente seu afeto e sua atenção. Maria de Nazaré, a mãe de Jesus, experimentou na sua vida o grande abraço de Deus. É este o sentido da expressão “agraciada”, “cheia de graça” e “encontraste graça diante de Deus”, na anunciação (Lc 1,28.30). O Senhor olhou para ela com amor, preparou-a para a bela e desafiante missão de mãe e educadora de Jesus. Como era uma pessoa inteira, que tinha consciência de ser amada por Deus, Maria expandiu este amor muitas vezes com gestos carinhosos, ternos e acolhedores. Você já imaginou o abraço que ela deu em Isabel, quando as duas se encontraram? 

Durante sua vida, Maria deve ter abraçado e recebido muitos abraços de José, seu fiel companheiro, e de Jesus. E não somente isso. Em Caná, ela ‘abraçou’ a causa dos noivos em necessidade. Na cruz, recebeu o terno abraço de João e ‘abraçou’ a nova missão de ser mãe da comunidade (Jo 19,26-27).

Há gente que abraça e quer reter para si. Em vez de laços de afeto, lança correntes que aprisionam. Não é o caso de Maria. Durante sua vida em Belém, em Nazaré e em Jerusalém, ela amava sem reter. Abraçava sem agarrar. Um amor livre, despojado. Hoje, na glória de Deus, Maria nos abraça carinhosamente. Ouve nossos clamores. Compreende nossas dores. Alegra-se com nossas alegrias. Um abraço que tem o tamanho do mundo, pois se estende a todos. Abraço que não segura ninguém para si, e sim nos entrega livremente a Jesus, nosso mestre e Senhor. Aí reside o sentido da devoção mariana: ela nos abraça e nos leva a Jesus.
Afonso Murad
Publicado no folheto O Domingo