sábado, 30 de setembro de 2017

Aparecida: 300 anos de bênçãos

Na Bíblia, “bênção”, “abençoar” e “bendizer” estão por toda a parte. Para os judeus, a bênção significa a comunicação de vida, concedida por Deus (Num 6,23). E eles não separam o espiritual do material. Por causa da vida que Deus nos dá, todo o povo recebe energia, alegria, paz, esperança, cura, fertilidade nas plantas, nos animais e nas pessoas, e justiça nas relações. Quem tem a bênção de Deus deve comunicar para os outros. Assim acontece com o pai e a mãe, que abençôam os membros da família (Gn 9,26) e com as autoridades (sacerdotes, profetas e os reis). A bênção é a vida de Deus, que a gente sente como o perfume no ar. Ela brota como água de nascente e fecunda toda a criação. No relato de Gênesis 1, o Criador abençoa as aves, os peixes, o homem e a mulher. E Deus promete a Abraão: em Ti serão abençoados todos os povos da Terra (Gn 12,3). Quem espalha a bênção, se torna “bendito” e bendiz o Senhor. “Que eu bendiga ao Senhor e não me esqueça de nenhum de seus benefícios” (Sl 103,2). Como é importante a gratidão!

O contrário da bênção é a maldição. Ela se traduz por infelicidade, brigas, violência contra os fracos, falta de comida, maldade, afastamento de Deus. Como o povo da bíblia não conhecia a medicina, também pensava que toda doença era uma forma de maldição. Por isso, se pedia a bênção para curar enfermidades e livrar da morte. Os seguidores de Jesus perceberam que a bênção de Deus é gratuita e nos encanta. Eles usam mais a palavra “Graça” (2 Cor 13,14). Quem recebe a bênção de Deus é agraciado. Assim, Lucas diz que Maria é “cheia de Graça” (Lc 1,28), a bendita entre a mulheres (Lc 1,39).

Os 300 anos de Aparecida testemunham muitas bênçãos. A devoção começa simples, como uma nascente. Os primeiros frutos são a fartura dos peixes, que alimentam também a todos. Cria-se uma pequena comunidade em torno da imagem. O escravo fugido é libertado de suas correntes. No correr dos anos, os devotos recebem muitas graças: curas de doenças graves, salvação em acidentes, superação de problemas na família, conversão a Deus, conseguir uma profissão, encontrar o amor de sua vida.
A peregrinação em grupo até o santuário é uma bênção. As comunidades se organizam. Durante a viagem, os romeiros compartilham o alimento, conversam, rezam, brincam. Fortalecem os seus laços. Os que vem a pé experimentam a liberdade interior, a dureza do caminho, o desapego, a busca do essencial.


Os 300 anos de Aparecida coincidem com um momento difícil da nossa história. A bênção ainda não penetrou na sociedade como um todo, especialmente na política e na economia. A CNBB denunciou esta situação. Os poderes em Brasília praticam o roubo e a iniquidade abertamente, defendendo seus próprios interesses. O governo, com o apoio dos deputados e senadores, diminui as oportunidades aos mais pobres e favorece a elites. Retira direitos sociais. Faz leis injustas. Membros do judiciário condenam e prendem sem provas. E mandam soltar pessoas corruptas que se enriqueceram com o dinheiro do povo. A ecologia, os direitos dos povos indígenas e dos quilombolas estão ameaçados. Nossa Senhora Aparecida está muito triste com tudo isso. Como a Rainha Ester, o que ela mais deseja é a vida do seu povo (Est 7,3). 

Que este ano mariano tenha despertado a consciência social  e o compromisso de muitos cristãos. Que a bênção de Aparecida se transforme em vida plena para todos os brasileiros(as), a começar dos mais pobres, como aconteceu há 300 anos, nas margens do rio Paraíba. Amém!

domingo, 24 de setembro de 2017

Maria e os discípulos amados(as)

Maria de Nazaré sonhava em ser mãe, como era costume no seu tempo. Quando recebeu o anúncio do anjo de Deus, ficou surpresa e feliz! Após diálogo e reflexão, aceitou com inteireza o convite de Deus (Lc 1,38). E assim, o Filho de Deus se fez humano como nós, em Jesus de Nazaré (Jo 1,18). Maria e José exerceram sua missão de pais e educadores com muito zelo. Conta-se que José faleceu antes que Jesus partisse em missão. E quando o mestre caminhava pelas vilas e cidades, Maria ia junto com seus seguidores e seguidoras. 

Numa sexta-feira, em Jerusalém, aconteceu o momento mais triste de sua vida. Jesus, filho único e tão querido, foi condenado à morte injustamente e terminou sua vida de forma horrível, na cruz. Maria deve ter pensado: acabou o meu sonho de mãe!
Mas então, ocorreu algo extraordinário. Jesus delegou para ela a missão de mãe da comunidade! Disse para o discípulo amado: “Eis aí a tua mãe” (Jo 19,27). Seria uma adoção recíproca. Maria entendeu. Agora ela não cuidaria somente de um filho, mas sim de todos os seguidores de Jesus. O texto bíblico diz literalmente: “a partir daquela hora o discípulo a recebeu naquilo que era seu”, ou seja, na totalidade de sua pessoa. Na morte e ressurreição de Jesus ela se torna a nossa Mãe.

Desde criança, Lena sonhava em ser mãe. Trabalhava como enfermeira. Casou-se e teve um filho. Eles formavam uma família encantadora. O rapaz frequentava a faculdade, tinha um bom emprego e estava namorando. Lena pensou que sua missão materna estava realizada. Faltava somente um netinho. Mas o filho único morreu num acidente de carro. Um grande sonho acabou! O que vai seria dela agora, como mãe?
Em seu trabalho, Lena via as adolescentes grávidas que faziam acompanhamento pré-natal. Certo dia, encontrou uma delas e percebeu como a menina de 14 anos estava confusa e desemparada. Não tinha emprego nem condições de preparar o enxoval do futuro bebê. Então, Lena redescobriu sua vocação de mãe: ela iria ajudar a menina a reconstruir sua vida. Começou a concretizar o novo sonho de mãe. Conversou com algumas amigas e elas recolhiam material reutilizado para bebês, como berços e carrinhos. Dedicou-se a escutar as mulheres grávidas e ajudá-las. A iniciativa se consolidou com uma Associação de proteção às adolescentes e mulheres grávidas na sua cidade. Lena diz: “hoje sou a mãe de muitas mulheres. Aprendi a trata-las como pessoas a serem valorizadas. A associação é uma comunidade de mulheres que se ajudam. Quem já passou pela experiência, fortalece as outras”.

Como Lena, Maria expandiu sua maternidade. Mais ainda. Tornou-se a mãe de todos. Hoje, na comunhão dos santos, podemos contar com Maria. A ela recorremos, confiantes, e provamos sua presença materna.

Afonso Murad - Publicado no folheto ODomingo
Imagem: Filme "Paixão de Cristo"

sábado, 16 de setembro de 2017

Maria modelo dos evangelizadores(as)

O Papa Francisco, na Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho” propõe cinco atitudes para os evangelizadores, como pessoas e comunidades em missão (EG 24).

(1) Ir na frente: a comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor (1 Jo 4, 10). Por isso, ela vai à frente, vai ao encontro, procura os afastados e chega às encruzilhadas dos caminhos para convidar os que estão à margem.
(2) Envolver-se: com obras e gestos, os evangelizadores entram na vida diária dos outros, encurtam as distâncias, abaixam-se e assumem a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Contraem assim o “cheiro de ovelha”, e estas escutam a sua voz.
(3) Acompanhar: a comunidade acompanha a humanidade em todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam. Conhece e suporta as longas esperas. A evangelização exige muita paciência, e evita deter-se nas limitações.
(4) Frutificar: o missionário mantém-se atenta aos frutos, porque o Senhor a quer fecunda. Cuida do trigo e não perde a paz por causa do joio. Encontra o modo para que a Palavra se encarne na situação concreta e dê frutos de vida nova, apesar de imperfeitos.
5) Festejar: os evangelizadores, cheios de alegria, sabem festejar. Celebram os passos dados, cada vitória. E se alimentam da liturgia.

Estas atitudes estão antecipadas em Maria, a mãe de Jesus. Ao olhar para ela, vemos que  Maria é o modelo dos discípulos-missionários/as.
- Maria sai na frente, indo depressa ao encontro de Isabel (Lc 1,39). Em Caná, toma a iniciativa, quando percebe que falta o principal da festa (Jo 2,1-12).
- Maria se envolve inteiramente na missão de educar Jesus. Quando este se torna adulto e parte em missão, ela acompanha discretamente seu filho. Diante da cruz, Maria assume a missão de mãe de toda a comunidade dos seguidores de Jesus (Jo 19,26).
- Porque Maria tem fé, escuta a Palavra, medita no coração e a frutifica. Bendito é o fruto de seu ventre, diz Isabel! (Lc 1,42). Quantas coisas boas Maria plantou e colheu durante sua existência.
- Por fim, ela sabe festejar. Seu cântico de louvor começa com uma explosão de alegria: “Minha alma engrandece o Senhor. E se alegra meu espírito em Deus, meu Salvador” (Lc 1,46).


Que Maria nos inspire para evangelizar com generosidade, ousadia, persistência e alegria. Que o Senhor Jesus desperte nosso coração, mobilize nossos pés e nos leve por caminhos novos, a serviço da humanidade. Maria, nossa mãe e companheira, vai com a gente!

Afonso Murad - Publicado no O DOMINGO

domingo, 10 de setembro de 2017

Marias das Dores

Seu nome é “Maria das Dores”. Amigos e parentes a chamam carinhosamente de “Dozinha”. Ela se casou com aquele que acreditava ser o homem de sua vida. O marido era infiel e dependente de bebida. Depois de alguns anos, deixou-a sozinha, com três crianças para criar. “E a vida foi uma luta só”, conta Dozinha. Sem desanimar, ela aprendeu a ser pai e mãe ao mesmo tempo. E o tempo passou. Os filhos crescerem. Ela tinha uma especial afeição por Rodrigo, o filho mais novo, que era carinhoso com ela.

Numa trágica sexta-feira, Rodrigo chegou em casa tarde. Comeu rapidamente, deu-lhe um beijo e disse que ia sair com os amigos. Seu coração de mãe sentiu um aperto. Veio uma dor forte, intensa, como nunca tinha acontecido. Dozinha começou a rezar umas Ave-Marias. Escutou então uns estampidos de tiros. Logo chegou a vizinha e lhe disse: “Seu filho foi baleado”. Dozinha correu, rezando e chorando. Encontrou o filho ensanguentado. Segurou-o nos braços, já sem vida.

A morte do filho provocou uma profunda crise de fé em Dozinha. Primeiro, ela se sentiu anestesiada. Depois, veio a grande sensação de perda, sem volta. Ela começou a clamar, a brigar com Deus. Sua longa vida de cristã, com muitas certezas, parecia ter se dissolvido. Então, lembrou-se da mãe de Jesus. Imaginou a sua dor na hora da cruz, o abandono que ela viveu. E pensou: “Nossa Senhora me entende”. Assim, Dozinha passou a rezar para que Maria lhe desse a força para “sair do túmulo” e viver novamente.

“A vida de Maria não acabou na sexta-feira da paixão. A minha também não vai terminar desse jeito”. Ao olhar para Maria, Dozinha vê a mulher forte, que não cedeu diante da dor e do sofrimento. Enfrentou-os com a cabeça erguida. Maria se tornou a mãe que lhe dá colo, a amiga entre as amigas. “As coisas ainda não estão resolvidas, mas fiz as pazes com Deus”.

A devoção popular desenvolveu o título de “Nossa Senhora das Dores”. Ele não pode ser uma forma de justificar as injustiças. Ou de manter a resignação diante da dor. Ao contrário. Maria se mostra como a mulher forte, que enfrenta com energia as adversidades, junto com José e com Jesus. Os evangelhos nos falam destas dificuldades, como a matança das crianças inocentes, a fuga para o Egito, a vida em terra estrangeira, a perda do menino no templo. E, para terminar, a dor na hora da cruz.

A partir de Jesus, nos sentimos solidários com todos os homens e mulheres que padecem. Afirmamos que Jesus é nossa esperança, o vencedor. Maria testemunha esta vitória de Cristo e nos acompanha como mãe amorosa. Como faz com Dozinha e tantas outras pessoas. Mãe das Dores, rogai por nós!
Texto: Afonso Murad - Publicado no Folheto ODomingo
Imagem: Sieger Koder

domingo, 3 de setembro de 2017

2ª Parte da Ladainha Mariana

Continuamos a rezar a ladainha de Nossa Senhora, a partir do perfil apresentado pelos evangelistas e à luz da Trindade. Complete com outras invocações...

Nos caminhos da Palestina
Primeira discípula do Senhor, rogai por nós.
Aquela que acolheu a Palavra de Deus, rogai por nós.
Aquela que guardou a palavra no coração, rogai por nós.
Aquela que frutificou a Palavra, rogai por nós.
Nossa irmã na fé, rogai por nós.
Pedagoga da fé em Caná, rogai por nós.
Atenta às necessidades humanas, rogai por nós.
Nossa intercessora, rogai por nós.
Mãe dos caminhantes, rogai por nós

Em Jerusalém: cruz e ressurreição
Maria de Jerusalém, rogai por nós.
Firme junto à cruz, rogai por nós.
Símbolo do sofrimento assumido, rogai por nós.
Ícone da fé, rogai por nós.
Perseverante em oração no cenáculo, rogai por nós.
Testemunha da ressurreição de Jesus, rogai por nós.
Batizada no Espírito em Pentecostes, rogai por nós.

Na Terra e no Céu
Maria, tão humana e cheia de Deus, rogai por nós.
Glorificada junto do Senhor, rogai por nós.
Filha predileta do Pai, rogai por nós.
Mãe, educadora e discípula do Filho, rogai por nós.
Templo do Espírito Santo, rogai por nós.
Modelo dos cristãos, rogai por nós.
Símbolo da ternura de Deus, rogai por nós.
Mãe das mães, rogai por nós.
Aquela que está mais perto de Deus e de nós, rogai por nós.

Colo de Deus em feição humana, rogai por nós.

Afonso Murad