sábado, 29 de julho de 2017

Sete Alegrias

A vida da gente é tecida com alegrias e tristezas. O que as qualifica não é a quantidade de momentos, e sim a sua intensidade e profundidade, segundo um projeto de vida. A devoção popular encontrou 7 alegrias na vida de Maria, que são inspiradoras para nós.

(1) O contentamento na anunciação (Lc 1,26): A primeira palavra dirigida a Maria é exatamente esta: “alegre-se”. Aliás, todo o relato da infância em Lucas está encharcado por este sentimento duradouro. Quando o messias vem, o povo se alegra. Maria prova uma imensa alegria ao receber o convite de Deus. Sente-se agraciada e envolvida por algo encantador.

(2) A alegria do encontro com Isabel (Lc 1,39-45): Maria sai às pressas para visitar sua parenta. Isabel é tomada de euforia. Proclama que Maria é especial: “feliz porque acreditou” e “bendita entre as mulheres”. Que cena linda: o encontro de duas mulheres, o cuidado cotidiano de uma com a outra, os sonhos e as esperanças em torno ao filho que vai nascer. Maria experimenta a alegria de ser missionária, de partilhar tempo e energia com quem necessita de proteção e ajuda. Pois há mais alegria em dar do que em receber!

(3) O cântico de Maria (Lc 1,46-55): este hino de louvor foi chamado de “Magnificat”, primeira palavra da sua tradução latina, que significa “engrandecer”, ou “cantar as maravilhas”. Maria está cheia do Espírito Santo e proclama as grandezas de Deus na sua história pessoal e na história de seu povo. É um cântico de alegria e de consciência profética, pois anuncia que Deus quer realizar a justiça na sociedade. Maria nos ensina a exercitar a ação de graças, a reconhecer os sinais de Deus na existência pessoal e nas práticas coletivas.

(4) O nascimento de Jesus (Lc 2,1-19): o nascimento de Jesus foi motivo de alegria para todo o povo, a começar dos mais pobres, representados pelos pastores. No céu e na terra! Todas as pessoas do Bem sentem-se amados por Deus, no momento em que seu Filho assume a natureza humana. Maria participa desta alegria de maneira única, como protagonista. Ela é a mãe do filho de Deus encarnado. Gerou, gestou e deu à luz à Jesus.

(5) Alegria na missão de Jesus: Maria ficou muito feliz, ao ver seu filho anunciar o Reino de Deus, curar os doentes, acolher os pobres e marginalizados, formar discípulos e discípulas. Eles experimentam um imenso prazer, quando percebem que Jesus é o vinho novo (Jo 2,10-11)! Jesus realiza as grandes esperanças de seu povo. Quanta alegria Maria viveu, ao acompanhar a missão de Cristo, como mãe e aprendiz.

(6) Euforia da ressurreição: Depois de viver a  trágica experiência da sua morte, Maria e os seguidores de Jesus provaram uma alegria sem par. Jesus está vivo! Ele nos dá a paz. Ele venceu a morte! (Jo 20,20-21). A ressurreição fez a comunidade compreender que o Homem de Nazaré é o Filho de Deus! Com este novo olhar, entenderam tantas coisas que Jesus fez e disse. Maria participa da ressurreição de Jesus de forma original: refaz lembranças, ilumina fatos, nutre sua fé, faz-se presente como mãe da comunidade.

(7) A alegria de Pentecostes: O mesmo Espírito de Deus, que fecundou Maria e acompanhou Jesus, agora fecunda a comunidade cristã. Cria a comunhão na diversidade, reúne o novo Povo de Deus para além das fronteiras do judaísmo (At 2). Maria, que junto com outras mulheres e os familiares de Jesus, orou com os apóstolos (At 1,14), acompanha a comunidade de forma discreta. É o tempo que se estende até hoje! A alegria de Maria e dos outros seguidores de Jesus se transforma na nossa alegria.

Ao percorrer as sete alegrias de Maria, cada cristão se reconhece nelas. Nossa vida de fé está marcada por muitos sinais de Deus que nos consolam, fortalecem e estimulam. Com Maria, cantamos, sorrindo: “O Senhor fez em nós maravilhas, Santo é o seu nome” (Lc 1,49).

domingo, 23 de julho de 2017

Maria e a alegria da festa

Numa festa animada, as pessoas se encontram e a alegria se multiplica. No tempo de Jesus, a festa de casamento tinha grande valor. As famílias se uniam e renovavam suas esperanças na continuidade da vida.  Recordava-se a aliança de Deus com seu povo (Is 62,5; Os 2,21-22). O vinho evocava o fascínio do amor humano (Ct 4,10) e o novo tempo do messias.
O evangelista escolhe as Bodas na cidadezinha de Caná para contar sobre o primeiro sinal de Jesus (Jo 2,1-12). Maria chega antes. Jesus e seus discípulos vieram também. Então, o vinho está terminando, a festa pode acabar! Maria faz um pedido discreto. Jesus responde: “O que nós temos a ver com isso, mulher? A minha hora ainda não chegou (Jo 2,4). O título “mulher” não é um desrespeito à sua mãe. Os profetas recorriam à imagem da mulher para representar a comunidade que responde ao convite amoroso de Deus. Jesus chama deste jeito à samaritana (Jo 4,21), anunciadora do messias para os não-judeus (Jo 4,28.41s). E à Madalena (Jo 20,15), primeira testemunha da ressurreição (Jo 20,17s). Assim, a mãe de Jesus é mulher e figura do povo de Deus fiel.

Parece que Jesus não quer se envolver com o problema. Maria não discute com ele. Rapidinho, encontra uma solução. Volta-se para os serventes: “Façam tudo o que ele disser a vocês” (Jo 2,5). Essas palavras têm grande força simbólica. Segundo João, Maria não só realiza a vontade de Deus na sua vida, como também orienta os outros a fazerem o que Jesus lhes pede. Torna-se assim a mestra e guia dos cristãos. Ela continua dizendo-nos hoje: “vale a pena buscar a vontade de Jesus, ouvir suas palavras e tomar atitudes concretas”. O documento da Puebla afirma que Maria é “pedagoga da fé”. Ela aponta para Jesus, leva-nos a ele, como fez com os que serviam na festa.
Os cristãos descobrem neste texto outras atitudes dela. Maria está atenta às necessidades humanas. Capta com grande sensibilidade um apelo que vem da realidade. Além disso, intercede junto a Jesus, para o bem de todos. Essa postura, que começa em Caná, continua hoje, pois ela é nossa intercessora, na comunhão dos Santos.

Jesus é o vinho novo e o esposo da festa da nova aliança de Deus com a humanidade. Começou o tempo da graça! Quem está com Jesus está com as vasilhas até a borda (2,7), transbordando de alegria. O Sinal de Caná abre caminho para a aventura da fé, pois a partir daí “seus discípulos creram nele” (2,11). A festa se conclui com o gesto de união, que reúne Maria, os discípulos, Jesus e seus familiares (2,12).

Que Maria de Caná desperte abra nosso coração para fazer o que Jesus disser;  e saborear a alegria do vinho novo, da festa da aliança e da fraternidade.
Afonso Murad - Publicado no Folheto O Domingo - Desenho: Max Gonçalves

domingo, 16 de julho de 2017

Quem são minha mãe e meus irmãos?

Certa vez, Jesus estava com seus discípulos e a multidão, quando alguém lhe disse: “Sua mãe e seus irmãos estão ali fora e querem vê-lo”. Jesus respondeu: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a colocam em prática” (Lc 8,19-21). Será que ele tratou mal à sua mãe? Teria esquecido a sua dedicação?

Um fato de hoje ajuda a entender a atitude de Jesus. Luis Carlos é voluntário da Pastoral dos enfermos. Nos hospitais, visita especialmente os que estão nas enfermarias e não recebem atenção dos outros. Veste um jaleco branco com o crachá de identificação. Um dia, se aproximou de uma mulher que estava sozinha. Quando ela o viu, reagiu: “Você não é da minha religião. Não quero saber de sua conversa! Vai embora”. Então Luis saiu, retirou o jaleco e o crachá. Voltou e lhe disse: “Joana, você aceita a visita de um amigo?” Meio sem graça, ela consentiu. E assim, Luis vinha visitá-la toda a semana. Até que um dia soube que Joana havia ganhado alta. Meses depois, quando estava no ônibus, alguém lhe bate no ombro. Luis se vira e vê Joana de pé. Ela olha nos seus olhos e diz emocionada: “Muito obrigado! Você foi para mim um irmão. Quando eu senti muita solidão e nenhum parente veio me visitar, você foi mais do que alguém da família!”

Jesus gostava muito de sua família. Ele recebeu boa educação de Maria e José, e não faria uma desfeita para sua mãe. No entanto, quando Jesus começou a sua missão, ele convocou homens e mulheres para fazer parte de uma nova família, não mais ligada por laços de parentesco. Nessa nova família o que importa era “ouvir a palavra e colocá-la em prática”, ser discípulo de Jesus, como a terra boa que acolhe e frutifica a semente do Evangelho (Lc 8,15). Alguns parentes não aceitaram a proposta de Jesus e o rejeitaram (Mc 6,1-6). 

Para Maria, a realidade foi outra. Ela não foi somente a mãe biológica, mas também aderiu ao grupo dos seus seguidores/as de Jesus. Acompanhava seu filho e os discípulos pelos povoados da Galileia. Na hora da cruz, Maria está ao lado de Jesus, com outras mulheres e o discípulo amado (Jo 19,25). Ela também participa da preparação de pentecostes (At 1,14 e 2,1). Maria fez parte tanto da família biológica de Jesus, quanto da nova família dos discípulos-missionários. Assim se entende a resposta de Jesus à mulher que, na multidão, elogia sua mãe biológica: “Felizes o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram”. Jesus diz: “Antes, felizes os que ouvem a palavra de Deus e a praticam” (Lc 11,27s). Tal expressão não é uma crítica, mas sim um elogio a Maria. Ela, mais do que ninguém, acolheu a palavra de Deus inteira e intensamente. Vivenciou-a de tal forma que se tornou, para todas a gerações, um modelo de fé, de amor solidário e de esperança.

Afonso Murad - Publicado no Folheto O Domingo - Ano Mariano
Imagem: Sieger Koder - Partilha do pão

sábado, 8 de julho de 2017

A vida em Nazaré: descobrir Deus no cotidiano


Constantemente somos bombardeados com o ideal do ser humano como “uma celebridade”, que deve aparecer o máximo possível. Nos perfil das redes sociais, as pessoas se mostram jovens e bonitas. Compartilham fotos e vídeos somente de momentos alegres. Por todo lado se estimula uma super-exposição. Nas igrejas cristãs se espalha a visão de que a fé exige milagres e manifestações extraordinárias. A meta é o sucesso na vida profissional, na saúde e na família. Acumular e mostrar muitos bens de consumo! Ora, se este é o modelo do ser humano feliz, então não se entende os longos anos silenciosos de Jesus em Nazaré, com Maria e José.

A chamada “vida oculta” da família de Nazaré nos diz que os frutos mais saborosos da vida necessitam de tempo para serem semeados, cultivados e amadurecidos. E há certos tesouros da vida pessoal que não devem se tornar públicos, pois perderiam seu encanto.
No livro O cotidiano de Maria de Nazaré, Clodovis Boff diz que na experiência de Maria, o lugar normal do encontro com o Divino é justamente o cotidiano. Assim, algumas pinturas representam a Anunciação quando ela se encontra fiando a lã ou tirando água da fonte. Ninguém podia imaginar o que se passava no reverso divino dessa vida igual à de todo mundo. Sua existência, seu rosto e até seu nome não tinham nada de especial no mundo em que vivia: eram comuns a tantas filhas de Israel.

Maria vivia esse cotidiano de forma extraordinária. Personificava cada evento, perguntando-se no fundo do coração o que Deus queria lhe dizer. A misteriosa alquimia para transfigurar sua vida era a meditação amorosa e confiante. Mulher reflexiva que era, repassava os acontecimentos de cada dia, num coração impregnado de fé e de amor (Lc 2,19.51). Ela experimentou sua existência com grande intensidade: a máxima alegria em eventos como a visitação e a ressurreição de Jesus, e a máxima dor em fatos como a perda no templo e a morte de Jesus na cruz.

O Papa Francisco nos diz: “a espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e capacidade de se alegrar com pouco. É um regresso à simplicidade que nos permite parar a saborear as pequenas coisas, agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem entristecermos por aquilo que não possuímos. Isto exige evitar a dinâmica do domínio e da mera acumulação de prazeres” (Laudato Si 222). As pessoas que saboreiam mais e vivem melhor cada momento são aquelas que deixam de petiscar aqui e ali, sempre à procura do que não têm, e experimentam o que significa dar apreço a cada pessoa e a cada coisa, aprendem a familiarizar com as coisas mais simples e sabem alegrar-se com elas (nº 223).

Que Maria de Nazaré nos ensine a desenvolver a vida simples e centrada no essencial. Amém!

Texto: Afonso Murad - Publicado no Folheto "O DOMINGO"
Imagem: A Família de Nazaré - Murillo

sábado, 1 de julho de 2017

A mensagem atual de Aparecida

O Papa Francisco, em carta aos bispos da América Latina, diz que Aparecida é uma escola para aprender a seguir Jesus. E ele destaca três características.

(1) Os pescadores: são pessoas para encaram o dia a dia, enfrentando a incerteza do rio. Vivem com a insegurança de não saber qual seria o “ganho” do dia. Eles conhecem tanto a generosidade do rio, quanto a agressividade das águas nas enchentes. Acostumados a enfrentar os desafios da vida com teimosia, não deixam de lançar as redes. Esta imagem nos aproxima do centro da vida de tantos irmãos nossos. Pessoas que, desde cedo até a noite, saem para ganhar a vida, sem saber qual será o resultado. O que mais dói é ver que enfrentam a dureza gerada por um dos pecados mais graves do nosso Continente: a corrupção. Essa corrupção que arrasa com vidas, mergulhando-as na mais extrema pobreza. Corrupção que destrói populações inteiras, submetendo-as à precariedade. Como um câncer, vai corroendo a vida cotidiana de nosso povo. E aí estão tantos irmãos nossos que, de maneira admirável, saem para lutar contra este flagelo.

(2) A Mãe. Maria conhece bem a vida de seus filhos.  Está atenta e acompanha a vida deles. Maria “vai onde não é esperada. No relato de Aparecida, nós a encontramos no meio do rio, cercada de lama. Aí, espera seus filhos, está no meio de suas lutas e buscas. Não tem medo de mergulhar com eles nas situações difíceis da história e, se necessário, sujar-se para renovar a esperança”. Maria aparece onde os pescadores lançam as redes, ali onde as pessoas tentam ganhar a vida. Como mãe, está junto delas.

(3) O encontro. As redes se encheram de uma presença que deu aos pescadores a certeza que eles não estavam sós em sua labuta. Era o encontro desses homens com Maria. Depois de limpar e restaurar a imagem, levaram-na a uma casa onde ela permaneceu um bom tempo. Nesse lar os pescadores da região iam ao encontro de Aparecida. “E essa presença se fez comunidade, Igreja. As redes não se encheram de peixes, se transformaram em comunidade”.
Em Aparecida, encontramos um povo forte e persistente. Consciente que suas redes, sua vida, está cheia da presença Maria, que o anima a não perder a esperança. Uma presença que se esconde no cotidiano, nesses silenciosos espaços nos quais o Espírito Santo continua sustentando nosso Continente. Tudo isto nos apresenta sua mensagem, que devemos acolher.


Para terminar, Francisco nos diz: “viemos como filhos e como discípulos para escutar e aprender o que hoje, 300 anos depois, este acontecimento continua nos dizendo. Aparecida não nos traz receitas, mas chaves, critérios, pequenas grandes certezas para iluminar”. E sobretudo, acender o desejo de voltar ao essencial da nossa fé. Amém!

Afonso Murad - Publicado na "Revista de Aparecida"