domingo, 28 de maio de 2017

Orar como Maria: o Magnificat

O evangelista Lucas coloca nos lábios de Maria um belo cântico, que em latim se chama “Magnificat” (Lc 1,46-56). Traduzindo na linguagem de hoje, seria: “proclamo a grandeza (de Deus)”. Baseado no cântico de Ana (1 Sam 2,2-10), e escrito muitos anos depois da visita a Isabel, o Magnificat expressa várias características de Maria. E consiste numa verdadeira lição de oração para nós, hoje.
Maria inicia sua oração com um louvor intenso, que brota do mais íntimo, onde se integram as emoções e as convicções (v.46-47). Qual a razão desta incontida alegria? Deus olhou para sua condição social: jovem, mulher, da desconhecida Nazaré, na Galiléia (v.48). Maria reconhece com gratidão que Deus fez nela maravilhas (v. 49). E aí reside o segredo da humildade: não em autodesvalorização, mas sim em uma percepção real do que somos, agradecendo a Deus por tanta graça recebida. A pessoa humilde, como Maria, não ignora suas qualidades; e sim as coloca à disposição dos outros.

A oração de Maria começa na interioridade, na alma, no espírito, no coração, e dali se expande. Sai de si mesma, louvando a Deus pela misericórdia que se prolonga “de geração em geração”, na história de seu povo, no atual momento e no futuro (v.50). Ecoa nela a fé bíblica que o amor de Deus é “para sempre”, pois podemos prova-lo tanto na criação como nos fatos (Sl 136).
A seguir, baseada no cântico de Ana e antecipando as Bem-aventuranças e os alertas de Jesus (Lc 6,20-26),  Maria proclama que Deus faz uma grande mudança na realidade social. A boa nova de Jesus tem repercussão estrutural. Exige uma mudança na distribuição dos bens produzidos e do exercício do poder (v.51-53). Embora utilizando a imagem da inversão, não propõe simplesmente uma mudança de posição, e sim novas relações.

Por fim, Maria recorda que este tempo novo do Messias, que se inaugura com ela, é a realização da promessa a Abraão (v.54-55). Este homem, símbolo da fé do povo de Israel, confiou radicalmente em Deus, deixou sua segurança para trás e saiu em busca de nova terra.
Portanto, o cântico de Maria resume os diversos elementos da oração cristã: louvor, ação de graças, recordação, súplica, reconhecimento da ação de Deus no coração de cada pessoa e na sociedade.  Situada no presente, faz memória e abre-se de forma esperançada para o futuro. Maria, ensina teu povo a rezar!

Fonte: Afonso Murad, Folheto O Domingo, 28/05/17

domingo, 21 de maio de 2017

Maria e Isabel: Um encontro surpreendente!

Lucas relata que, logo depois da anunciação, Maria partiu para a região montanhosa, onde morava sua parenta Isabel, casada com Zacarias (Lc 1,39-40). Isabel estava grávida de João Batista, o que era maravilhoso, pois ambos tinham idade avançada e Isabel, incapaz de ter filhos (1,7). Para os judeu, era triste chegar ao fim da vida sem deixar descendência.

Naquele tempo, sem recursos médicos, tal gravidez de risco exigia cuidados especiais. Isabel estava no sexto mês de gravidez. E lá foi Maria, apressadamente. Sim, o amor tem pressa. Não espera, antecipa-se, cuida, zela. Mas, pensando bem, que contribuição poderia dar uma adolescente como Maria, sem experiência de gravidez e parto? Não haveria outras mulheres e parentes vizinhas, mais aptas para isso? E pelo jeito, Maria ficou lá três meses e voltou antes do menino nascer (1,56-58).
A solidariedade se move por razões além da mera eficácia. Maria vai ao encontro de Isabel, porque o “sim” a Deus levava a um “eis-me aqui” para a pessoa humana em necessidade. A raiz da solidariedade não reside em fazer coisas ou dar objetos que sobram, mas sim fazer-se próximo, como Jesus conta na parábola do bom samaritano (Lc 10,29-37). Não aconteceu uma visitinha rápida, mas um permanecer na casa de Isabel durante 90 dias. Maria é exemplo dos cristãos solidários e missionários.

O que Maria leva para Isabel? Em primeiro lugar, o contentamento que ela recebe de Deus (1,28). O feto de João Batista vibra de alegria (1,41.44) dentro de Isabel, logo que Maria saúda sua parenta. Ela, cheia do Espírito Santo, proclama: “Bendita é você entre as mulheres e bendito é o fruto do seu ventre” (1,42). Não precisou falar nada. Bastou o encontro, a troca de olhares, o gesto de acolhida. Além disso, as duas compartilharam durante estes meses as alegrias e esperanças de duas mulheres grávidas. Maria ensinou e aprendeu muito com Isabel. E as duas não estavam sozinhas, pois as famílias judaicas se reuniam como clãs, com muitos parentes em volta. Aconteceu uma “comunidade solidária” de mulheres. Por fim, este encontro prenuncia a relação futura de João Batista com Jesus e prepara cântico de louvor entoado por Maria (1,46-55).

A Mãe de Jesus nos ensina a beleza e o valor dos encontros e das visitas. Que ela suscite em nós o ardor missionário de quem se faz próximo, para ajudar, compartilhar e aprender, na grande escola da vida.


Afonso Murad - 3ª Reflexão do Ano Mariano - Folheto O DOMINGO, 21/5/17

domingo, 14 de maio de 2017

José o companheiro fiel de Maria

Várias pinturas representam São José trabalhando na carpintaria, enquanto Maria se ocupa de Jesus. Atualmente  há gravuras mostrando o pai adotivo de Jesus cuidando do menino. Tal imagem corresponde melhor à visão do evangelista Mateus acerca de José.

Mateus relata a anúncio do anjo a José, durante o sono (Mt 1,18-25). Os dois estão prometidos em casamento, e Maria aparece grávida por ação do Espírito Santo. O que se passou com ele: perplexidade, dúvida, decepção, perda da segurança? Superada a crise, José acredita na sua amada, e apesar de todas as evidências, confia nela. É um homem justo (v.19), não por cumprir a lei, que o permitia denunciá-la por adultério. Mas sim porque realiza a nova lei do amor, que Jesus propõe no Sermão da Montanha (Mt 5,1-48). A misericórdia, consiste em ir além do que o outro aparentemente merece. Sentir por dentro sua dor e suas necessidades. José viveu este amor por Maria. E também foi correspondido. Entre os dois havia uma grande sintonia.

Segundo Mateus, José é o companheiro de Maria e o protetor de Jesus. Acolhe-a amorosamente como sua esposa (Mt 1,24). Conduz a criança e sua mãe para fora do país, a fim de escapar das garras do poderoso Herodes (Mt 2,13-15). Eles enfrentam os perigos da noite e de uma terra estranha, vivendo como refugiados. Anos mais tarde, José traz de volta a família (Mt 2,19-23), para Nazaré da Galileia. Lá trabalha como carpinteiro e agricultor e ensina seu ofício para Jesus. Vida silenciosa, aparentemente sem nada de especial. Junto com Maria, educou Jesus. Pois “o menino crescia em sabedoria, idade e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2,40).

Quantas coisas boas José e Maria compartilharam no correr dos anos que viveram, um ao lado do outro! Troca de olhares, afeto, cuidado, divisão de tarefas. Expectativas e preocupações do cotidiano de pessoas comuns. Alegria na mesa, contentamento com os primeiros frutos da colheita, oração em família. Ambos, educadores de Jesus, ajudaram a moldar o perfil humano do filho de Deus encarnado.
São José, companheiro fiel de Maria, rogai por nós!

Afonso Murad - 3ª Reflexão do Ano Mariano - Folheto O DOMINGO, 14/5/17

domingo, 7 de maio de 2017

Alegre-se! Deus está com você!

O relato da Anunciação (Lc 1,26-38) nos diz muito sobre Maria, exemplo de vida para nós, cristãos de hoje.
Gabriel, o mensageiro de Deus, saúda: Alegre-se! (v.28). Convida Maria a participar da alegria do novo tempo, que começa com a vinda de Jesus. Lucas destaca a alegria como sinal próprio de Jesus e de seus seguidores (Lc 10,17.21; 19,37; 24,52). Maria é a primeira convidada a se alegrar. Quando Deus se aproxima de nós, contagia-nos com sua alegria. É surpresa e gratuidade, encanto e novidade recriadora.
Maria recebe um nome especial, que nenhuma outra pessoa tem na Bíblia: agraciada, favorecida, aquela que tem o favor do Senhor, ou que “encontrou graça diante de Deus” (v.30). E com uma intensidade tão grande! São Jerônimo, quando traduziu a bíblia para o latim, usou a expressão “cheia de graça”. Deus prepara Maria para um grande desafio, iluminando-a especialmente com sua Luz divina.

A seguir, diz: o Senhor está com você. Na bíblia, quando alguém recebe uma missão importante e difícil, tem a promessa que não estará sozinha; Deus lhe dará forças para realizá-la. Por exemplo, no chamado a Moisés (Ex 3,11s e 4,12), a Gedeão (Jz 6,12) e a Jeremias (Jer 1,19). Pede-se que a pessoa não tenha medo, confie em Deus e se comprometa, como acontece com Maria.

Alegre-se, agraciada, o Senhor está com você. Essa frase revela quem é Maria aos olhos de Deus: mulher tocada pela graça divina, que a faz encantadora, agraciada e graciosa. Ser humano iluminado pelo Deus da Vida. Colaboradora de Deus, como mãe e educadora de Jesus. Pessoa forte para lidar com os medos e enfrentar os desafios.

Também essa expressão toca cada discípulo(a) missionário(a) de Jesus. Deus convida para alegria duradoura, que só ele nos dá. Concede-nos tantas bênçãos e graças no correr da existência. Como somos agraciados! Encanta-nos com seu amor misericordioso. Quer contar conosco para promover o bem no mundo. E para isso, nos alerta: as dificuldades virão. Mas eu estou com vocês. 
Que Maria nos dê a generosidade de responder, com alegria e coragem: sim, conte comigo, Senhor!

(Afonso Murad - Publicado no Folheto Litúrgico O DOMINGO, em 7/5/17)

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Deus vem ao encontro de Maria (anunciação)

A anunciação a Maria (Lc 1,26-38) se assemelha a outras cenas bíblicas de anúncio de concepção e nascimento, como a Abraão (Gn 17,19-21) e à mãe de Sansão (Jz 13,1-6). No evangelho de Lucas, está construído em paralelo com o anúncio a Zacarias (Lc 1,5-20). Todos eles mostram que o Senhor toma a iniciativa e que deste encontro resulta algo muito bom para a pessoa e o povo de Deus.

A bíblia, palavra divina em linguagem humana, utiliza gêneros literários. Reflexão de fé, utiliza elementos poéticos e simbólicos. Por isso, não se pode tomar isoladamente cada palavra ou frase, com se fosse simples descrição histórica. O que nos comunica o gênero literário anúncio? Deus toma a iniciativa. Ele vem sempre na frente, preparando o futuro. Através de um mensageiro divino, denominado “anjo”, anuncia que virá uma criança importante, para contribuir no processo de salvação. Às vezes, há obstáculos a serem superados. A pessoa questiona “como acontecerá isso?” e Deus lhe oferece um sinal.

Mas o anúncio a Maria é o único na bíblia que termina com uma resposta. Também é um relato de missão. Prepara o nascimento de Jesus e também diz da vocação especial de Maria e de sua resposta generosa. Deus toma a iniciativa. Maria se sente agraciada por Deus, dialoga com ele e, ao final, responde com inteireza. Compromete-se em ser a mãe do salvador. E a vida dela mostrará muitos outros compromissos.

Maria nos revela o jeito cristão de ser. Tudo começa de Deus, que vem ao nosso encontro, independente do lugar onde estamos (Lc 1,28). A gente se encanta com sua luz e bondade. Percebe também as dificuldades e obstáculos. E como Maria, podemos dizer: “eis aqui o servidor(a) do Senhor. Que se faça em mim segundo a sua vontade” (Lc 1,38).

Afonso Murad - Publicado no Folheto "O Domingo", para o ano Mariano

terça-feira, 2 de maio de 2017

Maria: discípula, mãe e irmã (Segundo Agostinho)

Peço-vos que repareis no que diz o Senhor ao estender a mão para os seus discípulos: Estes são minha mãe e meus irmãos e Quem fizer a vontade de meu Pai, que Me enviou, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Porventura não fez a vontade do Pai a Virgem Maria, que acreditou pela fé e concebeu pela fé, que foi escolhida para que d’Ela nascesse a salvação entre os homens e que foi criada por Cristo antes de Cristo ter sido criado n’Ela? Maria cumpriu, e cumpriu perfeitamente, a vontade do Pai; e, por isso, Maria tem mais mérito por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido mãe de Cristo; mais ditosa é Maria por ter sido discípula de Cristo do que por ter sido mãe de Cristo. Portanto, Maria era bem aventurada, porque, antes de dar à luz o Mestre, trouxe O no seio.

Vê se não é como digo. Passava o Senhor, acompanhado da multidão e fazendo milagres divinos. E uma mulher exclamou: Bem aventurado o ventre que Te trouxe. Ditoso o ventre que Te trouxe. E o Senhor, para que se não buscasse a felicidade na natureza material da carne, que respondeu? Mais felizes os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática. Por isso também Maria era feliz porque ouviu a palavra de Deus e a pôs em prática; guardou mais a verdade de Cristo na sua mente do que o corpo de Cristo no seu seio. Cristo é verdade; Cristo é carne. Cristo é verdade no espírito de Maria, Cristo é carne no seio de Maria; é mais o que está no espírito do que o que se traz no seio.

Maria é santa, Maria é bem aventurada. Mas é mais importante a Igreja do que a Virgem Maria. Por quê? Porque Maria é uma parte da Igreja, membro santo, membro excelente, membro supereminente, mas apesar disso membro do corpo total. Se é membro do corpo, é certamente mais o corpo do que o membro. A cabeça é o Senhor, e Cristo total é a cabeça e o corpo. Que mais direi? Temos no corpo da Igreja uma cabeça divina, temos a Deus por cabeça.

Reparai, portanto em vós mesmos, irmãos caríssimos. Também vós sois membros de Cristo, também vós sois corpo de Cristo. Vede como o sois, quando Ele diz: Eis minha mãe e meus irmãos. Como sereis mãe de Cristo? Todo aquele que ouve e pratica a vontade de meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Quando diz «irmãos» e «irmãs», fala evidentemente da mesma e única herança. É uma só, na verdade, a herança. Por isso, a misericórdia de Cristo, que sendo único não quis ficar só, fez de nós herdeiros do Pai e herdeiros consigo.

Fonte: Sermões de Santo Agostinho,  Sermo 25, 7-8: PL (Patrística Latina) 46, 937-938)