Certa vez, Jesus estava com os seus discípulos e a multidão,
anunciando o Reino de Deus com gestos e palavras. Então, alguém lhe disse: “Sua
mãe e seus irmãos estão ali fora e querem vê-lo”. Jesus respondeu: “Minha mãe e
meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a colocam em prática”.
Esta cena, narrada em Lucas 8,19-21 traz alguns problemas para os católicos,
que desde cedo aprendem a admirar a Maria, principalmente porque ela é a mãe de
Jesus. Será que Jesus tratou mal à sua mãe? Ele teria esquecido toda a
dedicação de Maria, desde a gravidez até o momento em que Jesus, aos 30 anos,
saiu de casa para anunciar realizar sua missão?
Talvez um fato de hoje possa nos ajudar a entender a atitude
de Jesus: Luis Carlos é voluntário da Pastoral dos enfermos. Uma vez por semana
ele vai aos hospitais visitar os doentes, especialmente aqueles que estão nas
enfermarias e não recebem atenção dos familiares e dos amigos. Por cima de
roupa ele veste um jaleco branco com a marca da pastoral, e usa também um
crachá de identificação. Um dia ele se aproximou de uma mulher que estava
sozinha, enquanto suas vizinhas de quarto recebiam os parentes. Quando a mulher
viu Luis Carlos chegando, balançou a cabeça e disse: “Você não é da minha
religião. Não quero saber de conversa! Vá embora”. Então Luis percebeu que ela
precisava de atenção e cuidado. Saiu do quarto, retirou o jaleco e o crachá.
Depois voltou e disse para a mulher: “Joana, você aceita a visita de um amigo?”
Meio sem graça, ela consentiu. E assim, Luis vinha visita-la toda a semana. Até
que um dia, ao chegar, soube que Joana havia ganhado alta.
Meses depois, quando estava no ônibus, alguém lhe bate no
ombro. Luis se vira e vê Joana de pé, em boa saúde. Ela olha nos seus olhos e
diz emocionada: “Muito obrigado! Você foi para mim um irmão. Quando eu senti muita
solidão e nenhum parente veio me visitar, você foi mais do que alguém da
família!” E os dois se abraçaram, como irmãos.
Jesus gostava muito de sua família. Ele foi bem educado por
Maria, e não faria de jeito nenhum uma desfeita para sua mãe. No entanto,
quando Jesus começou a sua missão, ele convocou homens e mulheres para fazer
parte de uma nova família. Desta vez, não mais ligada por laços de sangue e de
parentesco. Nesta nova família o que importava era “ouvir a palavra e coloca-la
em prática”. Ou seja, ser discípulo de Jesus, aprender dele e colaborar com ele
para difundir a Boa Notícia do Evangelho. Isso podia ter soado mal para os
parentes que não entenderam a proposta de Jesus. Mas, para Maria, a realidade
foi outra.
Ela não foi somente a mãe biológica, que concebeu, gerou e educou Jesus
com tanto carinho e atenção. Quando Jesus cresceu, ficou adulto e se tornou um
homem livre, Maria aderiu ao grupo dos seguidores/as de Jesus. Com outras
mulheres, ela acompanhava seu filho e os discípulos nas caminhadas pelos
povoados da Galileia. Por isso que o evangelista João conta que na hora da
cruz, Maria estava ao lado de Jesus, com outras mulheres e o discípulo amado
(Jo 19,25). Maria, que acompanhou Jesus até aquele momento, se tornaria então a
mãe da comunidade dos seus seguidores. Ela fez parte tanto da família biológica
de Jesus, como também da nova família dos discípulos-missionários.(Afonso Murad - Publicado na Revista de Aparecida)