sábado, 22 de outubro de 2011

Fontes da marialogia

Quais são as fontes, às quais recorre o pesquisador de mariologia ou o aluno de teologia, quando se dispõe a estudar sobre Maria, a Mãe de Jesus? Podem-se distinguir as fontes essenciais, complementares e suplementares.


(a) As fontes essenciais, como o nome indica, são imprescindíveis para o estudo acerca de Maria para alunos e professores da graduação ou especialização em teologia. Compreendem:

- A Sagrada Escritura, fonte primeira de toda teologia. Além de recorrer diretamente aos textos bíblicos, o pesquisador serve-se do trabalho realizador pelos biblistas, sobretudo aqueles que escrevem sobre os evangelhos de Lucas e João.

- Os escritos patrísticos. Há belíssimas referências a Maria nos primeiros séculos, em forma de homilias, hinos, comentários bíblicos e orações. Não basta copiar as citações dos autores. Essas devem ser compreendidas no seu horizonte cultural e eclesial e em relação à totalidade do texto, que normalmente está centrado na pessoa de Jesus. Para auxiliar este estudo, é útil recorrer aos teólogos que comentam textos patrísticos, sejam mariólogos ou não.

- Os documentos do magistério da Igreja sobre Maria. Aqui se elencam as principais afirmações sobre a Mãe de Jesus, formuladas em Concílios Ecumênicos, os documentos papais e as conclusões das Conferências do Episcopado Latinoamericano, sobretudo em Puebla e Aparecida. Estes documentos apresentam as formulações dos dogmas marianos, oferecem elementos para sua interpretação atual e fornecem orientações pastorais para o culto. Os textos mais antigos devem ser analisados à luz do contexto e da linguagem da época, para evitar anacronismos.

- Textos ecumênicos acerca da Mãe de Jesus. Estes escritos são fundamentais para compreender o consenso eclesial a respeito de Maria, os pontos em comum e as principais diferenças. Ajudam a superar a intolerância religiosa e suscitam respeito recíproco entre as Igrejas cristãs.

- Dicionários e livros contemporâneos de marialogia/mariologia. Tais obras sintetizam, organizam e apresentam, com o olhar próprio de cada autor, os conhecimentos sobre Maria na Bíblia, no culto e no dogma. Vários(as) mariólogos(as) estabelecem um diálogo da teologia com a sociedade contemporânea, suas buscas e questionamentos.

(b) Vejamos agora as fontes complementares. Dependendo do tipo de estudo a ser realizado, elas podem ser consideradas como essenciais.

- Escritos de teólogos, místicos e missionários no correr dos séculos. Estes textos contem elementos preciosos para a reflexão sobre Maria. Não devem ser lidos de forma literal e fora de seu contexto, pois muitos deles estão influenciados pelo maximalismo mariano ou pela visão da época. Trata-se de reinterpretar as intuições destes autores, à luz da teologia bíblica e das grandes linhas teológicas do Concílio Vaticano II, especialmente o capítulo VIII do documento Lumen Gentium.

- Estudos de natureza antropológica e histórico-cultural. A figura de Maria e sua devoção ficaram impregnadas na cultura ocidental em dois mil anos de cristianismo. Influenciaram e foram influenciadas pelas diferentes percepções de etnias, subculturas e grupos sociais. No correr dos séculos, a figura cultural de Maria apresentou simultaneamente elementos de resistência à dominação aos poderes opressores e de legitimação destes poderes. Por isso, as pesquisas das Ciências da Religião, da História, da Antropologia, da sociologia, da História da Arte contribuem para compreender a ambiguidade das manifestações culturais sobre Maria e podem ajudar a purificar a fé cristã. A mariologia serve-se assim de várias áreas do conhecimento, acolhe suas conclusões de forma lúcida e crítica e faz uma leitura teológica de seus estudos.

- Pinturas, esculturas e outras obras artísticas. Há um enorme acervo de produção artística em torno da pessoa de Maria, que servem ao mariólogos como matéria prima para sua reflexão. Esse material utiliza linguagem própria, não conceitual, e traz abordagem rica e diversificada, que permite amplo leque de interpretação. A grande pergunta que orienta o estudo a partir de obras religiosas artísticas é: o que o artista quis comunicar sobre Deus, o ser humano e Maria, que são significativos para nós, hoje? Incluem-se aqui também o estudo sobre os ícones orientais, que são mais do que obra artística, pois constituem uma narração espiritual em forma de imagem sobre Jesus e Maria.

- Manifestações devocionais atuais. A cultura é produção de significados, algo vivo e dinâmico que transmite valores e visão de mundo. Assim, estudar as manifestações da religiosidade mariana, ou servir-se do resultado das pesquisas de outros, fornece elementos para o discernimento pastoral e a reflexão teológica. As Ciências da Religião são grandes parceiras nesta tarefa. No entanto, os estudos de natureza antropológica, cultural e sociológica sobre Maria não são ainda marialogia. Constituem matéria prima, que deve ainda passar pelo crivo de interpretação da Bíblia e da Tradição Eclesial, para se tornar teologia marial.

(c) As fontes suplementares recebem este nome por se tratarem de escritos que fornecem informações ou conhecimentos que podem ser úteis para a pastoral e a teologia, mas não são necessários e nem fazem parte do núcleo do ensino da Igreja a respeito de Maria. Por isso, não tem força de obrigação. Trata-se de algo que está na esfera devocional e deve ser tratada assim. Por isso, não convém toma-las como fontes essenciais e vinculantes para a fé cristã. São elas:

- Os evangelhos apócrifos, elaborados em grande parte entre os séculos II a VIII. Eles circulavam com a pretensão de serem livros inspirados, mas não foram reconhecidos como tais pela Igreja, devido aos exageros e desvios do pensamento teológico. Portanto, é equivocado sustentar que eles fornecem informações fidedignas sobre Jesus e Maria, para completar o que falta nos evangelhos. Há afirmações que são contrárias aos textos bíblicos. Veja mais detalhes sobre os apócrifos nos “textos complementares”. Dos apócrifos se aproveitam apenas dados secundários, tais como: o nome do pai e da mãe de Maria (Joaquim e Ana), o número e o nome dos reis magos etc.

- As narrações da Vida de Jesus e de Maria elaboradas por videntes e místicos medievais. Elas não foram reconhecidas por concílios e outros documentos oficiais da Igreja como fontes de informações históricas, embora tenham alimentado a devoção. O grande problema que estes relatos são divulgados hoje com a pretensão de serem revelações diretas de Deus, a serem aceitos sem nenhuma discussão. Mas eles estão fortemente influenciados pelo contexto cultural, as estruturas psíquicas e a imaginação criativa de seus autores.

- As mensagens de videntes de aparições marianas nos dois últimos séculos. Elas são compreendidas pela Igreja como “revelações privadas”; merecem a classificação de “dignas de fé humana” e portanto não tem força de obrigação para os cristãos. Infelizmente, tem sido consideradas por alguns grupos católicos como se fossem palavras diretas de Maria. Voltaremos a esse assunto no capítulo das aparições.

As fontes e recursos utilizados na elaboração da mariologia influenciam diretamente seus resultados. Neste sentido, não se pode considerar todas as informações como se estivessem no mesmo nível. São prioritários: a Bíblia, o magistério da Igreja e a patrística, compreendidos com a sensibilidade aos Sinais dos tempos atuais.

Texto de Afonso Murad, a ser publicado em novo livro de Mariologia