terça-feira, 6 de setembro de 2011

Maria Virgem

Disponibilizamos para você uma síntese sobre “Maria Virgem”, do respeitado mariólogo Stefano De Fiores, na obra: Maria en la teología contemporanea. Sígueme: Salamanca, 1991, p. 453-466.

1. Debate teológico sobre a virgindade de Maria (p.453-456)
A idéia da virgindade perpétua de Maria sofreu vacilações nos primeiros séculos e foi negada por Celso, Bonoso e Elpídio. Depois, foi considerado como um dado pacífico da tradição da Igreja. Já Justino (150) a chamava de "a Virgem", e Pedro de Alexandria de "a sempre virgem" (aeiparthenos).
Em tempos recentes, o médico A. Mitterer pôs a questão da virgindade de Maria no parto, sustentando que a ausência de dores e a conservação do hímen não só não pertencem à essência da virgindade, mas também vão contra a verdadeira maternidade (Dogma e biologia da Sagrada Família, Viena, 1952). O Santo Ofício em 1960 se pronuncia, proibindo dissertações sobre o problema.

O primeiro esquema do texto sobre Maria no Concílio Vaticano II afirmava que "permanecia incorrupta e sem mancha a integridade corporal de Maria no mesmo parto". Muitos padres conciliares se posicionaram contra esta "linguagem anatômica" e o texto atual de Lumen Gentium 57 reza que Jesus, ao nascer de Maria, "não diminuiu sua integridade virginal, mas a consagrou". O Concílio deixou assim aberto o caminho para explicações teológicas.
A partir da década de 60, o tema da Virgindade de Maria volta a ser questionada. O "Catecismo holandês" (1966) desloca a afirmação sobre a afirmação literal da virgindade de Maria, sustentando que o seu sentido seria outro: o nascimento de Jesus como dom de Deus à humanidade. Em 1968 uma comissão cardinalícia pede que o texto seja claro sobre o assunto.
Autores isolados também se pronunciaram sobre o tema. H. Halbfas, na obra “Catequética Fundamental” afirma que "o nascimento de Jesus de Maria virgem não se propõe à fé como fato biológico". Caminho semelhante segue H. Küng, na obra "Ser Cristão", ao dizer que a concepção virginal não pertence ao núcleo central do Evangelho e nem deve ser interpretado biologicamente, mas se trata de um símbolo do novo começo realizado por Deus em Cristo. Vários autores na década de 70 consideram a concepção virginal como teologúmeno (uma metáfora teológica, não um fato em si), como por Bauer, O. da Spinotoli, Küng, Schillebeeckx, Evely e Malet. Já J. Pikaza e R. Brown se colocam numa postura eqüidistante do dado histórico-biológico e do teologúmeno.

2. Pressupostos culturais (p. 457-460)
Há dois motivos principais que levaram a questionar a virgindade perpétua de Maria: a desmitização de Bultmann e a depreciação da virgindade.
Bultmann está preocupado em descobrir o significado da mensagem bíblica para o homem moderno, que está fora do horizonte mítico em que foi escrito a bíblia. Trata-se de desmitizá-la, interpretando sua mensagem em chave existencial. No livro “Nuovo testamento e mitologia. Il manifesto della demitizzazione”, Brescia, 1970, p. 117, afirma ele:
"Certas lendas, com as do parto da Virgem e ascensão de Jesus se encontram só esporadicamente; Paulo e João as desconhecem. Mas considerá-las como excrescências tardias não muda em nada o estado das coisas: o acontecimento salvífico conserva a característica de um acontecimento mítico".
Nossa época redescobriu o valor da sexualidade. Para quem reconhece o valor da virgindade, sabe que a questão não reside no hímen, mas na opção pessoal de um amor mais extenso e de um dom que se deve reservar a quem se ama para sempre.
Ora, se a sexualidade e o matrimônio são bons, não há porque se excluir o nascimento de Jesus através deles. Ao contrário, seria até conveniente para a encarnação, que visa aproximar o mais possível o Filho de Deus da humanidade. Além disso, não há concorrência entre Deus e o homem, já que o homem age como mediador de graça, e Deus não age para interferir nas leis da natureza que ele mesmo criou. Por isso Schoonenberg se pergunta se o aspecto biológico da origem de Jesus entra na intenção mesma da fé.

3. Clarificações progressivas (p.460-464)
a) A virgindade de Maria não é uma variante do mito pagão do nascimento milagroso do menino redentor. A base da concepção virginal não reside no mito pagão da teogamia. A concepção de Jesus no Novo Testamenho não é colocada como uma geração por parte de Deus, mas sim uma nova criação. Já Justino, no século, respondia a esta acusação do judeu Trifão (Cf. Justino, Diálogo con Trifón, 66; PG 6, 627). Conforme afirma J. Ratzinger, Introducción al cristianismo, Salamanca, Sígueme, 1987, 6º ed, 238:
"A filiação divina de Jesus não se funda, segundo a fé eclesial, em que Jesus não tenha pai humano. A filiação divina de Jesus não sofreria desvalorização alguma se tivesse necessidade de um matrimônio normal, porque a filiação divina de que fala a Igreja não é um fato biológico, mas ontológico, não é um acontecimento do tempo, mas da eternidade de Deus".
Portanto, o nascimento virginal não prova a divindade de Jesus. Historicamente aconteceu o inverso. O tema da concepção virginal ocupou a reflexão eclesial depois que a afirmação da divindade de Jesus já era aceita sem problemas. "A virgindade de Maria adquire significado somente na órbita da uma cristologia já desenvolvida".

b) A virgindade de Maria não é uma questão aberta quanto ao fato em si. Trata-se de um dogma estável e fundado nas fórmulas de fé, nas definições de Concílios, dos Padres, e do magistério. Permanece uma questão somente no que diz respeito a seu significado na história da salvação e para os homens e mulheres de hoje num contexto cultural próprio.
A concepção virginal é um dado bíblico incontestável. Mateus e Lucas são concordantes nos seguintes aspectos:
- Não é José que engendra Jesus (Mt 1,16.18-25; Lc 1,31.34s; 3,24)
- Jesus é engendrado realmente (Mt 1,20; Lc 1,35), e a forma passiva esconde o sujeito para mostrar o caráter transcendente da origem paterna de Cristo.
- Maria é a única origem humana de Jesus, como virgem que se faz mãe (Mt 1,16-25; Lc 1,27.35).
- A origem divina não se refere ao Pai, culturalmente identificado como princípio masculino, mas ao Espírito Santo, feminino em hebreu e neutro em grego. Exclui-se assim qualquer modelo teogâmico.

c) Deve-se procurar encontrar na virgindade de Maria o sentido do mistério, já aludido por Inácio de Antioquia:
"E permaneceu oculta ao príncipe deste século a virgindade de Maria e seu parto, assim como a morte do Senhor, três mistérios clamorosos (mystêria kraugês: mistério a proclamar em voz alta) que foram realizados no silêncio de Deus" (Ad Eph. 19,1).
A virgindade de Maria continua sendo um mistério, do qual não se tem prova científica, mas somente o testemunho bíblico e eclesial.
O sentido da virgindade de Maria deve excluir alguns argumentos e razões desviantes:
- A incompatibilidade entre sexualidade e sagrado, típico do pensamento semítico,
- A visão de alguns padres que exigem a virgindade de Maria para que Jesus não recebesse o Pecado Original,
- A associação da virgindade com a santidade de Maria, como se ela não pudesse ser mãe de Deus a não ser que fosse Virgem,
- O vínculo entre concepção virginal e divindade de Cristo, confundindo o nível biológico com o ontológico.

4. Significado teológico do dogma de Maria Virgem (p. 464-466)
Cristológico: a concepção virginal sinaliza que Jesus é um ser verdadeiramente novo, o dom gratuito e inexigível de Deus, a nova criação no Espírito. Não se trata de uma demonstração, mas de um sinal eloquente.
Salvífico: A concepção virginal revela que Deus escolhe meios pobres para realizar a salvação (1 Cor 1,17-25). A virgindade de Maria, considerada maldição pelos judeus, foi abraçada por Maria como forma de pobreza (Cf. Lc 1,48). Assim, a salvação vem a nós na disponibilidade ao dom de Deus.
Existencial: A virgindade de Maria é expressão de sua consagração total a Deus.

Imagem: Anunciação, de Murillo.

Um comentário:

Oberdan Henrique Fiorese disse...

Quando falamos sobre Maria em nossos trabalhos pastorais com leigos sempre surge à pergunta que inquieta os vossos corações: Maria era virgem quando o anjo apareceu a ela?
O substantivo virgem aparece 33 vezes no PT e no ST. A palavra grega, parthenos, significa literalmente virgem (aqui está uma curiosidade do substantivo grego que dá origem ao nome de um templo em Atenas dedicado à virgem deusa Athena, chamado Parthenon).
O que o texto nos revela que Maria era virgem ao ouvir o anúncio do mensageiro de Deus, Gabriel. Os judeus dão tamanha importância à virgindade da mulher antes do casamento com o homem. Os textos que relatam sobre a virgindade da mulher no judaísmo antes no casamento são: Ex 22, 12-17 (esse texto pode ser lido em consonância com o caso de Dina, Gn 34); Dt 22,13-30. Ambos os textos revelam que homem possuía privilégios sobre a mulher, e que somente ela era obrigada a se casar virgem e não homem.
No caso de Maria e José estavam prometidos, ou seja, com o vínculo legal sem ter celebrado o casamento, começo da coabitação. Celebram-se, segundo costume, os esponsais, não o casamento, e não há coabitação.
Portanto, os relatos dos evangelista Mateus e Lucas mostram com toda clareza que a maternidadede Maria não é obra de José, mas do Espírito Santo, fato que é afirmado nos dois evangelhos.