sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Saudação

Partilho com você este belo poema
da escritora Adélia Prado:

Ave, Maria!
Ave, carne florescida em Jesus.
Ave, silêncio radioso,
urdidura de paciência
onde Deus fez seu amor inteligível!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A festa do encontro

A vida humana se enriquece de maneira profunda quando há encontros.

Encontros de pessoas, de grupos, de povos, de nações.
Unir-se de fragmentos, soma transmutada em multiplicação.
Possibilidades de fortalecer e ampliar raízes, estabelecer conecções.
Algo mais do que estar geograficamente ou virtualmente próximo.
Gesto de aproximar-se, romper as solidões, questionar a auto-suficiência, trocar, abrir as mãos, olhar o outro e reconhecer sua alteridade.
Encontrar-se é tecer laços que transformam as diferenças em oportunidades de aprender.
Uma energia boa circula, de forma que os interlocutores se saciam, para buscar novos encontros ou tecer laços mais estreitos nos mesmos encontros.

O natal é a grande celebração do encontro.
Encontro de Deus com a humanidade, a ponto de se fazer um nós, para intensamente se tornar um conosco. Por isso, o menino de Belém é chamado “Emanuel”: Deus conosco.
Viva o natal, a festa do encontro!

Desta luz que ilumina tenuamente a gruta escura de Belém, se expande a Luz que se revela caminho a seguir, verdade em construção, vida comunicada.
Ao redor de Jesus acontecem muitos encontros: Maria, José, os pastores, os magos, o povo que se alegra. E essa alegria contagiante abraço o solo, o ar, a água, a energia do sol, os microorganismos, as plantas, os animais, toda a humanidade.
O filho de Deus se fez carne, se fez matéria. Para fazer-se encontro.

Maria, aquela que viveu de forma ímpar este encontro de Deus com a humanidade, como mãe do filho de Deus encarnado, seja nossa companheira na aventura de transformar a existência em encontros.
Que ela nos conduza a Belém, a casa do pão, da partilha, da alegria e da simplicidade.

Feliz natal!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Imaculada Conceição

A festa da Imaculada Conceição pode ser simbolicamente uma festa de toda a humanidade!
No Cântico que abre a Carta aos Efésios, Paulo proclama: “Antes da criação do mundo, Deus nos escolheu em Cristo para sermos diante dele santos e imaculados” (Ef 1). O sonho de Deus para toda a humanidade é este: criar laços de amor com as pessoas; crescer em sabedoria, idade e graça; louvar o criador; construir uma sociedade justa, solidária e sustentável, cuidar do belo jardim que é o nosso Planeta.
Mas, não somos assim. O ser humano, criado em Cristo na força do Espírito, à imagem e semelhança da Trindade, carrega na sua história pessoal e coletiva também a iniqüidade, a fragmentação, a fragilidade, a liberdade cativa que necessita ser libertada, para escolher o bem e não se desviar do caminho. Aí está o enigma da condição humana: tão bela e capaz dos piores horrores!
Quando a devoção à imaculada se espalhou pelo oriente e o ocidente, não havia preocupação em definir um dogma. A grande intuição residia na compreensão que nesta pessoa especial ecoava algo que dizia respeito a todos os homens e mulheres. Tanto que Tanto que a Igreja ortodoxa reconhece esta devoção, mas não aceita sequer discutir a questão dogmática. Os orientais crêem que, com a encarnação do Filho de Deus no mundo, tanto a humanidade quanto o cosmos caminham em direção à divinização. Jamais seremos deuses, mas participaremos da vida de Deus.
Simbolicamente, o dogma da Imaculada sustenta que esta graça criadora, redentora e santificadora, atuou em Maria de uma maneira extraordinária, potencializando seu ser, tornando-a capaz de responder ao apelo com inteireza e intensidade ímpar. Esta mulher agraciada não é menos humana que nós. Ao contrário. É a humanidade querida por Deus.
Maria de Nazaré não é rainha, nem mulher poderosa. Lucas e João apresentam-na como a servidora do Senhor, a serviço da grande causa de Jesus e do Reinado de Deus. Vive tantos papéis, como a de educadora e discípula de Jesus, mãe e seguidora. Deve fazer um longo caminho na fé. Acolhe o que não compreende, por isso deve meditar e guardar no coração, procurando o sentido dos fatos. Aponta para Jesus, e nada retém para si: “Façam tudo o que ele disser a vocês”. Persevera até o fim! Participa com a comunidade do sofrimento da cruz e da alegria da vinda do Espírito.
As pinturas da Imaculada, como a famosa de Murillo, apresentam-na como uma mulher bela, jovial, com as mãos em prece ou abertas. Acolhe a luz e a graça que se origina somente de Deus. Que bela imagem, que sonho alentador! Que a imaculada nos inspire a inteireza, a beleza que brota da ética, as mãos que se abrem para cuidar de si, dos outros, do mundo. Amém!
Texto de Afonso Murad

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Estavas certa, Maria!

Padre Zezinho, SCJ.
Estavas certa, Maria. Disseste diante de Isabel que daqueles dias em diante, todas as gerações te louvariam te chamariam bendita. E foi o que aconteceu. Por causa do teu Jesus e por crerem na divindade do teu filho, a maioria dos cristãos escreveu teu nome em praças, ruas, prédios, navios, cidades, vidraças, vitrôs, camisetas, faixas, imagens, templos e até em chaminés. Está lá escrito em letras bem visíveis: Maria, com Maria, em Maria, para Maria. Milhões de homens e mulheres carregam-te no sobrenome ou no nome. Maria das Graças, Maria de Fátima, Maria da Conceição, Maria das Dores, Pedro Maria, João Maria, Antônio Maria, José Maria...
Estavas certa. Teu nome foi exaltado acima dos outros nomes. Maior do que o teu, apenas o de Deus. Jesus teu filho não tem nenhum ciúme disso. Até porque se trata da mãe dele que quis que seu discípulo João a adotasse por mãe. Nenhum problema se nós seus outros discípulos também te adotamos e te chamamos de mãe.
Estavas certa Maria. Quer queiram quer não, teu nome estará sempre ligado ao de Jesus, porque ele não veio do céu de para-quedas, nem nasceu numa estufa. Nasceu no teu ventre, cresceu ali e viveu no teu colo e depois ao teu lado por mais de trinta anos. De Jesus tu entendes, a ele tu conheces e certamente melhor do que qualquer cristão, tu sabes falar com ele.
Por isso vivemos a pedir-te que ores conosco e por nós, falando a teu filho por nós e ao Pai em nome do filho dele e do teu Filho Jesus. Nós também falamos ao Pai em nome de Jesus, foi isso que ele disse que deveríamos fazer. Se nós podemos, tu podes e melhor do que nós.
Estavas certa, Maria. Depois de Jesus, ninguém nesse mundo merece mais carinho e atenção dos cristãos. És maravilhosa. Por isso eu oro ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Falo ao Pai em nome do Filho, pedindo graças, e falo contigo pedindo que peças comigo estas mesmas graças em nome do teu filho.
O Pai e o Filho podem conceder a graça. O Pai porque é o Pai, o Filho porque todo poder lhe foi dado e o Espírito Santo, porque Pai e Filho no-lo enviam. Nós só podemos pedir. Mas teu pedido e teu jeito de pedir é melhor que o nosso!
Por isso Maria é que te amo e te admiro e às vezes falo contigo. Jamais confundi ou confundirei as coisas. Não és deusa. Mas sabes e podes mais do que eu e todos os padres e pastores do mundo. É a mais cristã de todos os cristãos. És a mais completa seguidora de Jesus. Estou com Isabel! Concordo com ela!
Encanto-me contigo. E te quero por mãe, já que Jesus te deu por mãe a João... Sou discípulo dele e quero ser teu filho também. Nunca te igualarei a Jesus porque nem é certo nem quero isso. Mas nunca fingirei que não exististe ou não existes.
Jesus teve mãe na terra e tem mãe no céu. E ela orava e ora. Então Maria, ora por mim ao teu Jesus. Do teu jeito que certamente é melhor do que o meu jeito. Amém.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Salve Rainha

Salve Rainha
Mãe, educadora e discípula de Jesus
filha querida do Deus misericórdia.
Sinal humano da Trindade:
Vida, doçura e esperança.
A ti clamamos,
homens e mulheres filhos da Terra.
Contigo nos alegramos nas conquistas do Bem,
Contigo suspiramos, chorando nos momentos de dor.
Volta seu olhar para nós.
Mostre-nos Jesus, o bendito fruto do teu ventre.
Roga por nós, santa mãe do Filho de Deus encarnado,
Jesus nosso mestre e Senhor.
Amém!

Oração: Ir. Afonso Murad
Imagem: Imaculada - Rubens (detalhe)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Salve Rainha para nossos dias

Você já deve ter percebido que a oração da "Salve Rainha" tem muitas expressões que já perderam o sentido para o homem e a mulher do nosso tempo. Esta oração, de origem medieval, expressa uma visão pessimista. Denomina os seres humanos como "degredados filhos de Eva". Vê o mundo somente como "vale de lágrimas". E sem contar que não faz referência a Deus Pai e ao Espírito Santo. Jesus aparece somente no final, e não no centro da oração
Hoje recebi um bilhetinho verde intitulado "Salve Rainha para o Século XXI", de atoria do Ir. Glauco Vilhena.
A partir de sua bela oração, arrisco, sem pretensões, uma Salve Rainha atualizada: referida ao Deus trindade, com um visão mais positiva sobre o mundo e nós.
Se você gostou, reze com ela e a divulgue.

Salve Rainha, Filha predileta de Deus Pai,
Mãe e educadora de Jesus, e Templo do Espírito Santo.
A vós suplicamos, desta terra abençoada,
em que Deus nos colocou
para realizar a obra de sua glória.
Guiai-nos, confortai-nos e protegei-nos.
Ajudai-nos a encontrar a verdadeira alegria e a felicidade,
tornando Jesus conhecido, amado e seguido,
no serviço aos irmãos e irmãs,
e no cuidado com o nosso planeta.
E assim, caminhando com o vosso olhar materno,
conduzi-nos até o encontro definitivo com Deus.
Amém.

domingo, 24 de outubro de 2010

Quando a devoção faz mal

Certa vez, tive uma afta na boca. Recomendaram-me que aplicasse tintura de própolis, diluída em 70% de água. Não entendi a razão. Pensei comigo: se é bom, porque diluir? Felizmente, descobri a resposta antes de usar o remédio. Se utilizasse o concentrado, a tintura queimaria a minha mucosa bucal, em vez de curá-la. Guardei esta lição prática: até o bom remédio, natural, com poucas contra-indicações, deve ser usado com equilíbrio, na medida certa. Caso contrário, provoca mais malefício do que cura.
Este princípio tão simples vale também para a devoção. Nós, católicos, reconhecemos que as práticas devocionais são boas, pois nos levam a viver em sintonia com Deus e a seguir Jesus intensamente. No entanto, todo exagero faz mal. É como o bom remédio, fora da medida adequada: pode destruir em vez de curar.
Atualmente, presenciamos um exagero de devoção no catolicismo. Em alguns casos, o remédio se parece com uma doença. Simplesmente, porque não há limites. E tudo que se faz sem critérios e limites, corre o sério risco de decair em extremismos. No campo religioso, isso se manifesta na intolerância e na miopia espiritual. As pessoas passam a condenar a todos o que não pensam como elas e são incapazes de se auto-criticarem. Mesmo que estejam recheadas de boas intenções.
Há alguns dias recebi um canto sobre Maria. Para quem está mergulhado neste excesso de piedade, parece sublime, belo, perfeito. Intitula-se: “A primeira que comungou”. Veja:
A primeira que comungou foi a Virgem Maria
A primeira que recebeu Jesus no coração
A primeira que anunciou foi a Virgem Maria
A quem gerou na fé o profeta que de Isabel nasceu.
Foi por ela que aconteceu a primeira adoração
E quando os magos a encontraram
Houve a primeira grande exposição.
Mãe capela do santíssimo sacrário do amor
Expõe para nós teu filho
Mãe capela da santíssima morada do senhor
Expõe para nós teu filho
Primeiro ostensório do Senhor.

O Concílio Vaticano II, ao promover uma grande renovação da Igreja, pediu que voltássemos à fonte do Evangelho e das primeiras comunidades cristãs. No capítulo 8 do documento sobre a Igreja, intitulado “Lumen Gentium”, apresenta a figura de Maria na dosagem saudável. Diz que Maria deve ser compreendida em relação a Cristo e à Igreja. A partir dessa orientação, confirmada anos mais tarde por um lúcido documento do Papa Paulo VI sobre o Culto a Maria (Marialis Cultus), se busca uma devoção mariana equilibrada, bem dosada.
Infelizmente, não é o que se vê na música acima. O uso exagerado da analogia, ultrapassando o bom senso, leva a afirmações que não são corretas. “Comungar”, no sentido de participar da ceia do Senhor e receber seu corpo e sangue, aconteceu em primeiro lugar com os discípulos de Jesus, antes de sua paixão. Se Maria esteve lá, também tomou parte deste momento que resume a vida, morte e ressurreição de Jesus. Mas dizer que ela foi a primeira que comungou extrapola o bom senso e não retrata o que aconteceu.
Devemos usar com cuidado as analogias ou as figuras de linguagem, para não dizer coisas ambíguas, que escandalizam outros cristãos, inclusive os próprios católicos. Não seria uma imagem inadequada e anacrônica (fora do nosso tempo), dizer que Maria é o primeiro ostensório? Tal afirmação não tem base bíblica e nem raízes nos Pais e mães da Igreja dos primeiros séculos.
A linguagem devocional, quando usada sem limites ou critérios de verificação, acaba produzindo um fenômeno parecido com os termos esotéricos: só pode ser compreendida por quem está dentro do movimento dos iniciados. Aos outros, soa como algo estranho ou sem sentido. Para quem está mergulhado num devocionismo, não há limites em usar as figuras de linguagem. E aqui está o grande problema. Lentamente, Maria se torna mais importante do que Jesus. E o Jesus da devoção também está distante do nosso mestre e Senhor, apresentado nos Evangelhos.
A devoção exagerada não cura. Ao contrário, lentamente leva a terríveis desvios.
Maria merece nosso respeito. A devoção a ela é legítima. Mas não pode extrapolar o bom senso. Cultivemos a lucidez!
Maria e Jesus agradecem...  A humanidade também.

Ir. Afonso Murad

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Maria e a política

                                                                                                   Texto do Padre Zezinho, SCJ


Não consta que Maria fosse uma jovem triste nem que cantava ou dançava. Provavelmente, se comportou como as jovens judias de seu tempo. Aliás, sabe-se tão pouco sobre ela que corremos dois riscos: idealiza-la perfeita demais, incapaz de rir ou brincar; ou como a jovem dedicada somente à oração. É verdade que, por seu chamado especial, foi diferente das demais mulheres. Afinal, não é sempre que se concebe um filho em suas condições. Mas foi igual às outras no aspecto mais comum da feminilidade e no seu modo bonito de ser mulher. Até aposto que ria, cantava e dançava. O Evangelho traz alguma coisa a respeito.

Lucas diz (cap. 1, 39-56) que ela acompanhou os últimos três meses de gravidez da já idosa Isabel e a intimidade do parentesco as fez cúmplices do mistério que as envolvia. Quem não crê achará inverossímil Isabel e Zacarias terem um filho especial e Maria ter um filho de Deus. Mas é como diz Isabel: “Feliz aquela que acreditou”. Maria foi ajudar Isabel, que, no dia do encontro, demonstrou saber do importante segredo da sua parenta. Maria não se conteve: agora poderia repartir sua alegria de poder ser mãe tão especial, já que os outros a achariam louca e pretensiosa. E ali mesmo, segundo Lucas, ela improvisou um canto, a partir do cântico de Ana, mãe de Samuel (1 Sm. 2, 1-10), e de outros que conhecia. Quem meditava as coisas de Deus e as guardava no coração (cf. Lc. 2, 19) era muito bem capaz de improvisar uma oração, como a rezada por Maria diante de Isabel. Maria cantou um pouco do livro do Deuteronômio, de Samuel, de Isaías e dos Salmos 111, 107, 103, 98 e 89.

O canto de Maria tem força teológica. Fala de um Deus misericordioso que pensa em todos os homens e mulheres, chama a todos, mas dá tarefas e missões especiais a alguns, sem, com isso, amar de maneira limitada; de um Deus justo que defende os pequenos e oprimidos, tira o poder da mão dos injustos e, um dia, dá chance aos pobres e pequenos, enquanto mostra, a quem tem tudo, a experiência de não ter. Teria sido também um canto político, improvisado por uma jovenzinha desinformada? Ou cheio de fé, ensaiado por alguém inspirado nas lutas e no sofrimento de seu povo? Se Maria cantou, então mostrou conhecer muito bem os erros e acertos de Israel, as profecias e as constantes presenças de Deus na história de seu povo. Trata-se, pois, de excelente oportunidade de refletirmos.

É difícil imaginar Maria inserida em política partidária ou indiferente à sorte de seu povo e incapaz de compreender o peso de sua missão. Seu canto tinha alta teologia e política, mas também amor e misericórdia. Só não vê quem não quer. A quem idealiza apenas como a mãe de um grande político judeu, o canto é um prato cheio; mas, para os que a imaginam como uma jovem mãezinha assustada, é mais difícil negar que ela tenha cantado. Maria amou a seu Deus, seu tempo e seu povo. E, nesse contexto, não é provável que ela tenha contado a Lucas o ocorrido naquele encontro: que cantou a experiência de ser mãe de alguém que anunciaria um novo tempo e uma ordem para o mundo. É mais um motivo para admirarmos essa mulher.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Maria com cuidado

Há 25 anos leciono Comunicação Religiosa. Isso não me faz mais sábio nem mais culto do que outros padres e bispos. Apenas me autoriza a sugerir expressões e linguagem que cheguem com mais clareza ao povo de Deus. Já errei usando termos confusos, mesmo depois de padre e mesmo lecionando Comunicação. Ninguém é tão perfeito que não cometa alguma imperfeição ao falar ou escrever. Por isso digo aos meus alunos que falem de Cristo e de Maria com cuidadosa escolha de palavras. Se tiverem o que dizer, digam com clareza. Sim, a Igreja ensina isso! Não, a Igreja não diz isso! Um deles escrevera que Maria é santíssima porque é mãe da SSma. Trindade e veio debater comigo. Desafiei-o a me mostrar uma só passagem da Bíblia ou dos documentos da Igreja, onde Maria é chamada de Mãe da Santíssima Trindade. Não achou.

Na minha juventude já fui corrigido algumas vezes ao falar de Maria. Era presidente da congregação mariana e minha devoção era tanta que, no meu entusiasmo dizia coisas que a Igreja jamais diria. Diga-se de passagem que também lia alguns textos marianos nada serenos. Davam ao terço tanta garantia que praticamente não sobrava mais nada nem ninguém para Jesus Cristo salvar... A vinda do Concílio Vaticano II foi me abrindo os olhos. A essas alturas já era sacerdote. Lá, descobri a fundamentação dos muitos títulos dados a Maria. Mais tarde em Puebla o discurso ficou ainda mais direto. Os documentos dos papas nesses últimos 40 anos também me ajudaram a pensar em Maria com o máximo de cuidado. Tenho tentado dizer isso aos pregadores quando sou perguntado sobre Maria: “ Não ousemos ir mais longe do que a Igreja foi”.

Quando escrevi a canção Senhora e Rainha, onde acentuo que Maria “ “não é deusa nem mais do que Deus, mas depois de Jesus ninguém foi maior do que ela neste mundo” estava traduzindo o Concilio Vaticano II, que diz isso com toda a clareza. Para nós católicos ela é verdadeira mãe de Deus e é membro super-eminente da Igreja. É modelo de quem quer seguir Jesus. Há tanto o que dizer em favor de Maria que nos faltam palavras também sobre ela, da mesma forma que faltam quando falamos do seu Filho que é maior do que ela, porque Jesus Cristo é Deus e ela não é.

Continuo ouvindo em algumas pregações de rádio e de televisão que Maria é mãe da SSma. Trindade. Tenho dito a quem usa tal expressão que tome cuidado ao dizê-la, porque não é clara. Maria é mãe do Filho de Deus, e por isso a chamamos de Mãe de Deus. Mas a Igreja nunca disse que ela é mãe do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Mãe da Trindade ela não é. Podemos chamá-la de Nossa Senhora da SSma Trindade porque ela é filha, é mãe e é esposa, mas não das três pessoas. Não é esposa do Filho, nem é mãe do Espírito Santo, nem do Pai. É filha do Pai, mãe do Filho de Deus encarnado e esposa do Espírito Santo. As palavras são pequenas demais para dizer da relação de Deus conosco. Com Maria, que foi geratriz do Verbo encarnado, faltam-nos os adjetivos. Afirmamos que desde todo o sempre o Pai gera o Filho, mas Maria não é mãe do Filho de Deus desde todo o sempre. Ela não existiu desde toda a eternidade. Quando o Filho de Deus se encarnou, aqui, neste mundo, ela foi a mãe dele; mas não antes. Por isso, as palavras “Mãe da Trindade” podem confundir. É melhor explicá-las. Sem explicação leva muita gente a dizer que Maria é mãe das três pessoas da Trindade. E ela não é .

Quando alguém entra em debate comigo sobre este tema, peço para reler a frase que ele disse. Depois mostro mais de 200 passagens com os títulos dados a Maria. Nunca a Igreja diz que ela é mãe da três pessoas da SSma. Trindade. Nem poderia! No ventre dela quem esteve foi o Filho de Deus encarnado. Mas como Jesus diz que Ele e o Pai são um (Jo 10,30) é claro que Maria, ao carregar seu Filho no ventre, carregou o mistério que ele trazia. Nem assim Igreja diz que ela gerou a Ssma. Trindade. Isso, a Igreja não diz. É por isso que a Igreja pede no número 158 que se evitem os falsos exageros ou as estreitezas. Meu conselho aos amigos e alunos é que tomemos cuidado ao proclamar a grandeza da humilde Maria. Nossas frases precisam ser claras e não devem deixar margem a dúvidas.

Neste mundo ninguém melhor do que ela assumiu o mistério da Ssma.Trindade em sua vida, porque ninguém esteve tão intimamente ligado ao Filho de Deus quanto ela. Mas havia limites e Maria sabia disso! Ela continuou a vida inteira “ serva do Senhor”, mesmo sendo mãe do Filho de Deus. E é isso que faz Maria tão especial e tão digna de nossos elogios. Imagino que ela seja a mais interessada em que não a louvemos acima do que ela foi e é.

Texto: Padre Zezinho, SCJ.

sábado, 28 de agosto de 2010

Simplicidade de Maria

Outro dia, li na internet o poema abaixo, intitulado “Sem dobras”. Ele me fez pensar numa atitude de Maria, que é inspiradora para os cristãos: a simplicidade.

Aprendo com o tempo
a felicidade vibra na frequência
das coisas mais simples
o que amacia a vida
acende o riso
convida a alma para brincar
coisas pequeninas
bordadas com fios de luz
no tecido áspero do cotidiano
como o toque bom do sol
quando pousa na pele
o café da manhã com pão quentinho
sonho compartilhado
repouso os olhos em olhos amados
o sono relaxado que põe tudo pra dormir
a presença da intimidade legítima
o banho bom que reinventa o corpo
o cheiro de terra
o cheiro de chuva
o cheiro do tempero do feijão da infância
o cheiro de quem se gosta
o acorde daquela risada que acorda tudo na gente
todas, simples assim.
J. Ramalho (http://www.semargem.blogspot.com/ )

Dizem que uma das possíveis raízes etimológicas da palavra “simplicidade” é “sem dobras”. Quem não se lembra daquelas saias antigas, cheias de dobra e difíceis de passar, chamadas de “plissadas”, porque exatamente estavam cheias de dobra? Ou então de uma realidade “complexa”, pois tem muitos elementos ao mesmo tempo, como se fossem muitas dobras, de forma a se tornar “complicada” para decifrar.
Uma pessoa simples não é um bobo ou ingênuo. Por vezes, utilizamos este belo adjetivo de forma equivocada, para classificar alguém que cultiva pouca cultura letrada, apresenta limitação intelectual ou se expressa mal. Nada disso tem a ver com simplicidade.
A simplicidade não está no começo do caminho da humanização, mas ao final. São Tomáz de Aquino dizia que a sabedoria e o conhecimento, na medida que evoluem, se simplificam. É admirável encontrar pessoas com alta capacidade artística, técnica, intelectual, operacional, que mantém a simplicidade, pois não se deixam iludir com o poder, o conhecimento, os cargos  ou o dinheiro. Como são simples, sabem viver intensamente os pequenos e grandes momentos. Conhecem sua beleza e sua limitação. Por isso, a simplicidade é companheira da lucidez e da humildade. As pessoas simples aprendem com o tempo. Aliás, continuam sempre aprendizes. Adultos comprometidos, mas com a alegria e a fluidez do coração de criança.

A simplicidade de Maria reúne estas características. O Evangelho de Lucas a apresenta como uma mulher que cultiva a alegria, que descobre no encontro com Isabel a presença do Espírito vivificador. Educadora e mãe de Jesus, faz-se também sua discípula e seguidora, aprendendo com ele. Surge nos momentos importantes, como em Caná, na cruz, na preparação de Pentecostes, e depois se retira tranquilamente, pois não tem necessidade de permanecer no centro das cenas.
A simplicidade de Maria também foi uma conquista. Para saborear as coisas belas de sua existência, ela guardava e meditava no coração, muitas vezes. Para acolher as situações desafiadoras, também.
Que aprendamos de Maria a simplicidade da consciência alerta, que, em acorde com o Palavra de Deus e a beleza da vida, está desperta para saborear, anunciar, lutar e perseverar.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Oração a Maria, caminheira na fé

Ó Maria,
Voltamos nosso olhar e nosso coração para Ti.
E te contemplamos hoje, cheia de luz e revestida pela Graça vencedora de Deus.
Tu, a primeira ressuscitada, em quem se realizou de forma maravilhosa e antecipada,
a promessa e o sonho de Deus para todo ser humano.
Antes de seres tecida no útero de Sant’Ana, o Senhor te conheceu e te consagrou.
Ao longo de tua vida renovaste o compromisso com Deus,
o “Sim” que em determinado momento brotou de teu coração e de teus lábios.

Tu, peregrina nas estradas empoeiradas, sinuosas e arriscadas da existência humana.
Provaste os riscos dos falsos atalhos e dos des-caminhos,
as tentações de toda sorte, até aquela de acomodar-se na mediocridade.
Nós te vemos em Nazaré, companheira de José, mãe e educadora de Jesus.
Ensinaste o filho de Deus encarnado a ser homem.

Pelas tuas mãos e as de José, Jesus se educou e se fez pessoa.
Aprendeu a falar e a ouvir, desenvolveu atitudes e hábitos,
estruturou valores que marcaram sua vida.
Conheceu seus limites e sentiu as infinitas possibilidades da liberdade.
Tu, jardineira sensível, plantaste na terra fértil de Jesus as sementes do Bem.

Mas tua vida não se encerrou na tarefa de mãe e educadora.
As águas do Jordão marcaram o nascimento público de Jesus,
como o corte dolorido e necessário de um segundo cordão umbilical.
Foste surpreendida (ou talvez não) pelo homem adulto, dono de seu destino,
Pois parece que toda mãe vê no filho a sempre criança que um dia embalou nos braços.

Jesus percorre vilas e aldeias falando do Pai e do Reino.
Chama homens e mulheres para compartilhar com ele sonhos e tarefas.
Aprendizes na arte de viver, suas escolas são povoados, estradas, lagos e montanhas.
Agora, és uma discípula. Teu papel de mãe se modifica, parece eclipsar-se.

O Mestre olha com compaixão para a multidão
sem perspectiva, doente, abandonada.
Com o olhar recriador do Pai, vê mais do que miséria e perdição.
Descobre e suscita oportunidades salvadoras, abre portas e janelas de luz.
Animado pelo sonho do “Reino de Deus”, Jesus põe em marcha um “momento novo”.

E teu coração vibra, contagiado de emoção.
Acompanhas Jesus, que encanta as multidões com as parábolas,
surpreende os poderosos com palavras simples e sábias
e desconcerta os donos de uma religião sem coração.
Vês com alegria como as mãos do menino que tu seguraste
estão livres para curar, abençoar, acolher e libertar.

Jesus come e faz festa com os pecadores, as prostitutas, os “sem esperança”.
Aquela grande mesa de pão e inclusão é para ti extensão de Belém e de Nazaré,
a casa de nova família da humanidade, para além dos laços sanguíneos.
Teus olhos acompanham Jesus, quando muitas vezes ele se retira ao monte,
para falar e ouvir o Pai na intimidade.
Tu rezas por ele e com ele.

As forças do mal tramam contra Jesus,
e na tua intuição já pressentes o que lhe espera:
sofrimento, traição, fracasso, dor de perda, morte.
Ao pé da cruz, a fidelidade de um amor à toda prova.
Ao terceiro dia, a surpreendente experiência da vida que vence a morte.

Não sabemos se Jesus ressuscitado apareceu diante de ti. Talvez não precisasse.
Tua fé já tinha chegado a nível tal, que o sinal não é mais necessário.
Tornou-se confiança radical, entrega e sintonia.
Um dia, tua peregrinação terrestre também terminou.
Ao celebrarmos tua “Assunção”, professamos cheios de alegria,
Que o Senhor assumiu e transformou toda tua pessoa e tua existência,
até a corporeidade;
Ele que “faz novas todas as coisas”.

Olha para nós.
Tu conheces cada um de nós, como conhecias Jesus pelo cheiro e pelo olhar.
Fortalece-nos, pois recebemos tanto e correspondemos pouco à Graça do Senhor.
Dá-nos um espírito humilde e renovado
para sermos discípulos e anunciadores de Jesus.
Que recriemos a simplicidade e o encanto de Belém,
o espírito de família e o aconchego de Nazaré,
a força do Espírito que nos unge no Cenáculo,
a coragem e a presença pública de Jerusalém.
Queremos ser “todo de Deus” e para Ele.
Recebe nossas palavras, nossos gestos, nossas ações e nossos desejos. Amém.

Texto: Ir. Afonso Murad
Imagem: Frei Anderson, msc

terça-feira, 6 de julho de 2010

Aparições: um alerta!

Faz alguns anos, escrevi um livro intitulado “Visões e Aparições. Deus continua falando?”, publicado pela Editora Vozes. Nesta obra, apresento o fenômeno sob vários ângulos: psicológico (e parapsicológico), sócio-cultural, teológico e pastoral. Para escrever o livro, empreendi um longo e penoso trabalho de escuta atenta e humilde. Li o que encontrei sobre a análise teológica do evento e os critérios eclesiais de discernimento. Tive acesso a livros e manuscritos com mensagens de videntes do Brasil e do exterior. Mediante pedidos, vi filmagens de várias pretensas aparições. Visitei alguns videntes e conversei com pessoas que eram defensores incondicionais do fenômeno. Conversei com teólogos e místicos.
A conclusão a que cheguei é que as chamadas “Aparições” movem-se no campo da atualização da revelação e das múltiplas formas de expressão da experiência mística. Por isso mesmo, são denominadas na teologia clássica católica como “revelações privadas”, mesmo que aconteçam para uma multidão de milhares de pessoas. E como tal, merecem respeito e consideração.
A vidência, como outros fenômenos místicos paranormais, pode ser um serviço à comunidade eclesial e ao mundo, enquanto interpretação e atualização da mensagem de Jesus, a revelação plena do Pai para os cristãos. Mas não tem força de obrigação para ninguém. Por isso, nenhum cristão católico é obrigado a crer em aparições, mesmo aquelas reconhecidas pela Igreja, como Guadalupe, Fátima e Lurdes. O parecer oficial da autoridade eclesial é claro: o fenômeno e sua mensagem é “digno de fé humana”, ou seja: não se trata de uma verdade que obrigue os fiéis. Mas, se alguém quer acolher a mensagem dos videntes e reverenciar Maria com o nome que eles lhe deram, pode fazê-lo com serenidade.

Fazia tempo que não me dedicava mais a pesquisar sobre o assunto. No ano passado, fui procurado por uma repórter do revista VEJA, que fazia uma cobertura sobre o assunto. Neste ano, foi a vez da ISTO É. Então, voltei a ler sobre o tema, com um pouco mais de distanciamento. Comecei também a pesquisar na Internet, pois muitos videntes divulgam as mensagens na WEB. E trabalhei com meus alunos sobre isso na aula de mariologia.
Um dos problemas mais complicados para o discernimento atual sobre as aparições diz respeito à sua continuidade no tempo. Até o fenômeno de Fátima, os videntes tinham uma experiência sensível, traduzida em mensagens, que se encerrava após um curto período. No caso dos videntes portugueses, as “revelações” aconteceram de maio a outubro do mesmo ano e depois acabaram. Assim, foi possível analisar a mensagem e dar um parecer oficial. Ora, nos casos atuais, as pretensas aparições não terminam. Maria “fala” a cada semana, com hora marcada, para videntes de várias partes do mundo. Ora, isso levanta algumas perguntas sérias: não seria uma banalização do sagrado? Como emitir um parecer eclesial sobre um fenômeno que ainda está acontecendo? Que qualidade espiritual tem um conjunto de visões e mensagens, que ano após ano, repete sempre a mesma cantilena: “rezem o terço, participem dos sacramentos, façam penitência...”? A história recente da humanidade traz novas questões: ecologia, diálogo ou intolerância religiosa, cultura da imagem, crise econômica em algumas partes do mundo, acentos na experiência religiosa, questões de gênero, mas as mensagens mudam muito pouco. Será que Maria não tem nada a dizer sobre isso? As mensagens dos videntes atuais são mais fracas naquilo que deveria ser seu diferencial qualitativo: uma atualização significativa da revelação de Deus, em Cristo, para os dias de hoje.

O que é mais grave é que alguns movimentos aparicionistas vendem a ilusão de que suas mensagens são as únicas corretas e perfeitas, pois são comunicação direta do céu, sem se contaminar com as ideologias humanas. Eu mostrei no livro, com várias evidências, como as mensagens dos videntes sofrem uma série de influências e estão submetidas a vários condicionamentos. Não levar isso em conta é correr o sério risco de divinizar manifestações humanas de pouca consistência espiritual.
Se a Bíblia, Palavra de Deus em linguagem humana, não pode ser lida de forma literal, mas necessita de uma interpretação, com muito mais razão se exige isso das mensagens de videntes.

No mês de junho acessei várias páginas da internet de movimentos aparicionistas. A impressão que tive é que há uma degeneração espiritual em muitos deles. Ou seja, perde-se o núcleo da experiência religiosa cristã, que é o seguimento de Jesus, e acontece um acento unilateral em práticas devocionais, mescladas com uma mentalidade apocalíptica baseada no medo. Num dos sites que visitei, havia uma recomendação do vidente (que ele atribui a Maria) para confeccionar um “lencinho de Nossa Senhora”, que seria a arma mais poderosa para preparar os católicos diante da eminência do fim do mundo. Em outro site, encontrei um título animador: “como rezar”. Respirei aliviado. Imaginei que seriam algumas dicas sobre a leitura com a bíblia, sobre a revisão de vida, ou alguma orientação concreta para orar no cotidiano, com suas alegrias e tristezas, decepções e conquistas. Ao abrir o tema, outra decepção: era simplesmente uma colagem com as orações tradicionais católicas (Pai Nosso, Ave Maria, Credo), seguidas de outras orações vocais de conteúdo duvidoso. E tudo atribuído a Maria. Que estranho: Maria ensinaria somente a rezar com fórmulas? Todo o movimento de rezar com o coração, de maneira espontânea, não tem valor? E a oração com a bíblia seria desconhecida por ela?

Registro aqui este alerta, eivado de perplexidade e indignação. Nem tudo o que acontece no âmbito do extraordinário é o melhor caminho para viver o Evangelho de Jesus. Espero que os movimentos aparicionistas cresçam em lucidez. Não basta uma religiosidade intensa. Ela necessita equilíbrio, diálogo e centramento em Jesus e o seu Reino, com suas mediações históricas limitadas e imperfeitas. Ignorar isso é não levar em conta o mistério da encarnação, questão central para a fé cristã.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Visitação de Maria a Isabel

A festa da visitação, encerrando o mês de maio, traz uma mensagem simples e atual. Após aceitar seu compromisso de servidora de Deus e mãe do messias, ela se põe a caminho para casa de sua parenta Isabel. E Lucas ressalta: “apressadamente”. Trata-se da mesma atitude dos pastores, que também saem “apressadamente” para ver Jesus em Belém.
Esta expressão poderia soar tão normal, pois hoje tudo se faz com pressa. Aliás, com estresse. O tempo se tornou tão rápido, que a gente não consegue mais contemplar os fatos com calma. Ontem foi lua cheia, e ninguém viu. Parece estranho alguém se deter em silencio para sentir a luz prateada da lua, ou provar os belos tons do entardecer, ou mesmo se guardar na memória o sorriso de outra pessoa.

Estranhamente, as pessoas apressadas também se tornam indiferentes. Pois o olhar e a atenção não se fixam em nada. Nesta correria, não se sabe bem para onde se dirige a existência. Há pressa, mas pouca mobilização. Muito movimento e pouca mudança. E talvez aí resida o segredo do relato da anunciação, compreendido à luz da existência contemporânea.
Maria sai em busca de Isabel, para partilhar sua alegria. A pressa não expressa estresse, mas sim um desejo enorme, a convicção, a generosidade. Do encontro, brota alegria. O Espírito Santo circula naquela pequena comunidade de mulheres grávidas. E por fim, Maria expressa sua gratidão a Deus: “O Senhor fez em mim maravilhas, Santo é seu nome”.

Que a festa de visitação suscite em nós o desejo de ir ao encontro dos outros, com pressa e sem estresse. À luz desse encontro, cultivemos relações de qualidade. Que ela também renove a alegria e o senso de gratidão ao Deus que em nós também faz maravilhas.

Texto: Afonso Murad

domingo, 23 de maio de 2010

Oração: Maria e o Espírito Santo

Pai materno, Fonte da Vida, nós te louvamos,
pois em ti somos, nos movemos e existimos.
Teu espírito criador, presente desde início na evolução do cosmos
baila sobre as águas,
sustenta, renova e leva à consumação toda a criação.

Jesus, nosso mestre e Senhor,
ungido pelo Espírito desde o começo de sua missão,
cheio do Espírito na tentação, no deserto, no meio do povo, na missão,
obrigado pois nos concedes o Paráclito,
o Espírito que nos consoma, nos confirma e nos abre para compreender a verdade peregrina,
que só se consumará quando Deus for tudo em todos.

Trindade Santa, nós te louvamos, pois vieste fazer morada em nosso meio.
E agora nos concedes o dom de sermos templos vivos do Espírito!
Nós te louvamos pela tua serva, Maria, mãe de Jesus
Agraciada por Deus de forma especial
Marcada pela ação fecundo do Espírito, que vem sobre ela como “força do altíssimo”,
que a reveste com sua sombra protetora e geradora de Vida.
Ela, como membro e mãe da comunidade,
junto com outros discípulos-missionários
prepara a vinda do Espírito em Pentecostes.

Com ela, proclamamos alegremente:
“O Senhor fez em nós maravilhas, Santo é seu nome”.
Como ela, vivemos a presença do Espírito santificador,
que não nos tira do mundo, mas sim nos livra da visão mundana.
A seu exemplo, somos místicos, homens e mulheres de Deus
e profetas: cidadãos lúcidos, críticos e esperançosos.
Pois cremos que o Senhor renova a face da Terra,
em múltiplos rostos e possibilidades. Amém!

Ir. Afonso Murad

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Ladainha a Maria (1)

   Nós te louvamos Maria:

. Porque foste escolhida por Deus
. Porque respondeste a seu chamado
. Porque permaneceste fiel ao Deus que te chamou
. Porque todos os dias aprofundastes o teu chamado
. Porque refletias sobre teu chamado
. porque deste um sim lúcido a Deus
. porque soubeste ser mulher em todos os momentos

. Porque foste, com outras mulheres, mulher libertadora
. Porque permaneceste cheia de graça
. Porque ouviste e praticaste a palavra do teu Deus
. Porque buscavas entender o que se passava contigo
. Porque amaste o teu povo
. Porque antes de levar Deus no ventre já o tinhas no coração
. Porque sabias orar e perseverar na oração

. Porque amaste José em todas as circunstâncias
. Porque em teu ventre a palavra se fez vida
. Porque soubeste ser mãe, na alegria e na dificuldade
. Porque soubeste aprender com o filho que nascia
. Porque aprendeste com o filho que crescia
. Porque educaste o filho no diálogo sereno e franco
. Porque soubeste incentivar o filho a se manifestar ao povo

. Porque sabias pedir ao filho em favor dos outros
. Porque entendeste a missão profética do teu filho
. Porque assumiste as dores e os riscos da missão de Jesus
. Porque estavas junto e perto do teu filho
. Porque assumiste o evangelho de Jesus
. Porque sem ti o evangelho se desencarnaria
. Porque és mãe para os discípulos de teu filho

. Porque te tornaste modelo da Igreja que serve
. Porque te proclamaste e agiste como servidora de Deus
. Porque és o primeiro grande fruto da Igreja
. Porque assumiste o papel de mãe da Vida Nova
. Porque és verdadeira mãe de Deus e dos cristãos
. Porque demonstras predileção pelos pequenos e oprimidos
. Porque assumes a feição e as cores dos mais necessitados

. Porque és a pessoa humana que esteve mais perto de Deus
. Porque soubeste viver sem pecado
. Porque assumiste a Palavra de forma consciente
. Porque formaste com José e Jesus uma família feliz
. Porque assumistes as conseqüências da tua maternidade
. Porque não ocupaste nunca o lugar do teu filho
. Porque permaneceste apontando sempre para Ele

. Porque és modelo completo de fidelidade a Jesus Cristo
. Porque, com Jesus, foste protagonista da história
. Porque soubeste profetizar, no silêncio e na palavra
. Porque muitos povos e religiões te veneram
. Porque fostes e és mãe dos mártires e confessores
. Porque na Igreja permaneces testemunha fiel de Jesus Cristo.
. Porque é discípula e missionária, junto conosco.

Padre Zezinho, adaptado por Afonso Murad

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Missionária e mãe

Partilho com você um texto do Padre Zezinho, neste mês de maio

Não está escrito em nenhum lugar da Bíblia que Jesus enviou Maria em alguma missão. Também não está escrito que não enviou. O que está escrito é que ele, em missão, se fazia acompanhar, coisa rara naquele tempo, também de mulheres missionárias, que mesmo não pregando, estavam lá no grupo com ele e os discípulos. Seguiram Jesus desde a Galiléia para cuidar de suas necessidades( Mt 27,55) O cristianismo começou com homens missionários e mulheres missionárias, já que ser missionário não significa apenas pregar a palavra, mas leva-la e ajudar a leva-la. Elas estavam lá firmes na caminhada, ao pé da cruz, no enterro e na ressurreição. Na sua morte, entre as mulheres, estavam, Maria Madalena, Salomé, Maria, mãe de Tiago,de José, de Simão e de Judas (Mt 13,55; Jd 1,1 ; Mc 15,40) Os filhos desta Maria missionária eram chamados irmãos de Jesus. Mas não era a mesma Maria de José, a mãe de Jesus. Há uma confusão nos evangelhos( Mt 13,55) mas logo depois ela se desfaz em outras passagens quando se atribui aos mesmos um outro pai: Alfeu. Então havia uma Maria de Alfeu e uma Maria de José, esta a mãe de Jesus. As duas, missionárias.

E então? É impensável que Jesus tema chamado estas mulheres para a missão sem ter chamado Maria. Até porque viveram juntos mais de 30 anos e Maria estava lá, firme ao pé da cruz, como estivera firme em momentos importantes da sua vida. E estava lá quando o Espírito Santo veio sobre os presentes. As línguas de fogo não pousaram só nos homens. Nos Atos se lê que o fenômeno aconteceu com todos os presentes.( At 2,4) Lá se lê que entre eles estava Maria, sua mãe, seus “irmãos”que já sabemos que tinham outra mãe e as outras mulheres.(At 1,14) Nossas Igrejas ensinam que o Espírito Santo não vem apenas para os pregadores. Os que estavam lá orando ( At 1,14) eram missionários e todos receberam o Espírito Santo.

Quando pois proclamamos Maria missionária, porque ora com os discípulos e com as outras mulheres, porque que age e intercede pelos outros como nas bodas de Caná, porque não se afasta dele por nada, desde o berço até à cruz, estamos falando da mãe que deu todo o apoio ao filho e com quem ele pôde contar o tempo todo. Se, por anunciarmos Jesus, alguém nos chama de missionários, imaginem Maria! Alguém amou e entendeu Jesus mais do que ela? Entre nós católicos, outubro o mês das missões é também dedicado a ela. Nem podia ser de outra forma...Ninguém foi tão comprometido com ele quanto sua mãe. Acostumemo-nos a vê-la dessa forma. Perto dessa missionária não há católico nem evangélico que não se curve respeitoso... Se título cabe aos apóstolos e a nós cabe também a ela. arCom muito mais mérito e razão.

domingo, 2 de maio de 2010

Maria de Nazaré da Galiléia

O Evangelho de João narra uma cena pouco conhecida. Filipe encontra Natanael e lhe diz que encontrou o “Escolhido de Deus” (messias), Jesus de Nazaré. Natanael lhe responde, com descrédito: De Nazaré pode vir alguma coisa boa? (Jo 1,45). Em outra cena, os chefes dos sacerdotes e o grupo dos fariseus afirmam: “Examine, e você verá que da Galiléia não surgiu nenhum profeta” (Jo 7,52). Nazaré e Galiléia estavam foram do centro das atenções.

No tempo de Jesus, a palestina estava dividida, do ponto de vista cultural e política, em três regiões: ao Norte, a Galiléia; ao centro, a Samaria; e ao Sul a Judéia. Embora tivesse uma situação melhor que a Samaria, habitada por um grupo religioso não-judeu, a Galiléia não era vista com bons olhos pelos judeus da religião oficial. O Norte da Palestina esteve ocupado por outros povos, durante o exílio. Então, naturalmente, quando os judeus voltaram a habitar na região, foram incorporando alguns elementos culturais ali presentes. O povo da Galiléia não era considerado pelas autoridades de Jerusalém como aquele que seguia plenamente a lei judaica da pureza. A palestina também era tida como uma região politicamente efervescente. De lá haviam saído vários grupos rebeldes ao poder romano, como aquele comandado por uma tal Judas, o Galileu (At 5,37). Por isso, Pilatos manda colocar sobre a cruz de Jesus uma frase cheia de ironia: “Jesus Nazareno, rei dos Judeus” (Jo 19,19).

No entanto, é na Galiléia que Jesus vive grande parte de sua missão. Lá amadurece seu projeto de vida. Percorre vilas e povoados durante três anos, anunciando o Reino de Deus. Forma seus discípulos nos caminhos empoeiradas da Galiléia, nas montanhas e nos lagos. E, quando ressuscitado, volta glorificado para lá, chamando os seus seguidores para virem ao seu encontro (Mt 28,10.16).

O que significa tudo isso para Maria? Quando Lucas descreve a vocação dela, faz questão de situar: O enviado de Deus foi enviado à Nazaré da Galiléia, e uma moça prometida em casamento a José (Lc 2,4). Nazaré faz parte da identidade de Maria. Ela vem de uma cidade simples e desconhecida, próxima à Fenícia (hoje, o Líbano), num ambiente de diversidade cultural e religiosa e esperanças de mudanças. O evangelho a apresenta assim: Maria de Nazaré. Mais tarde, escritores incomodados com essa simplicidade de Deus, pintarão a anunciação no templo de Jerusalém. Colocarão Maria ao lado dos sacerdotes, quase como uma monja. Mas isso não traduz o anúncio do evangelho.

Hoje, em tempo de celebridades, de supervalorização dos centros urbanos, da cultura do sucesso e da imagem, é bom se lembrar desta expressão: “Maria de Nazaré”. Para Deus, não importa a aparência, o lugar de proveniência, os títulos. Conta sobretudo a qualidade do gesto. E nisto, Maria de Nazaré tem muito a nos ensinar. Amanhã veremos....

sábado, 1 de maio de 2010

O ventre de Maria

O que houve com Maria foi algo além do que poderíamos sequer ousar imaginar.
Deus Filho se encarnando no ventre de uma jovem mulher? E Deus tem um filho? Como? Então, não é um só Deus? E se Deus, segundo algumas religiões é só uma pessoa, como pode Deus ter um filho, que é Deus como Ele?
Aí aparecem os cristãos dizendo que Deus é um só ser, mas este ser não é só uma pessoa e sim três pessoas num só ser! Maria também não sabia disso! De repente um anjo lhe aparece e ela fica com medo. Medo do quê? Pergunta o anjo. – Você foi escolhida e Deus, o altíssimo vai se encarnar como pessoa humana, dentro do seu ventre. Você vai abrigar o Filho do Altíssimo..

É claro que Maria não entendeu. -Se você que vem de lá, está falando isso, que seja como você falou! Que aconteça o que Deus quer que aconteça! Disse ela. E ficou com aquilo na cabeça e no coração. Como assim? Vou ser mãe de um modo como virgem alguma jamais foi? A cada momento ela aprofundava mais aquele fato. Todas as gerações irão discutir isso até o fim dos tempos. E muitos vão dizer que Deus fez coisas incríveis em mim e dirão que sou feliz. Mas eu sei o que me espera!

Guardou silêncio e só falou com quem fosse capaz de entende-la, porque também tinha passado por uma gravidez fora do comum: sua parenta Izabel. Nem com José ela falou. Entregou o noivo aos cuidados de Deus. E foi o céu que disse a José para não ter medo da gravidez de Maria. Ele a levou para a sua casa, tornando-se cúmplice daqueles fatos. Filho especial, mãe especial, gravidez especial, paternidade especial...

Hoje, alguns crentes cristãos de outras Igrejas e de outras religiões, e mais ainda os ateus acham difícil crer na virgindade de Maria. Há versículos da mesma Bíblia, deixando claro que aqueles que são citados como irmãos de Jesus têm outra mãe. Judas, Simão, Tiago e José que eram filhos de Maria de Alfeu. Em várias passagens são citados como irmãos entre si e também como irmãos do Senhor, que porem era filho de outra Maria, a de José. Então não eram irmãos de sangue nem do mesmo ventre. Mas os versículos estrategicamente nunca são lidos nem lembrados.  Então, muitos deles insistem que Maria teve outros filhos logo, só foi virgem até Jesus. Depois deles foi mãe como outra mãe qualquer.

Vai ser sempre difícil crer que Deus é três pessoas divinas, Pessoa-Pai-Santo, Pessoa-Filho-Santo e Pessoa-Espírito-Santo e que as três pessoas são um só ser. Alguém sempre reduzirá Jesus Cristo, o ungido, no máximo à condição de profeta porque e um absurdo dizer que alguém é Deus de Deus. Nós que o vemos como Filho Eterno do Pai Eteno, com o Espírito Santo Eterno formando um só ser Deus Eterno, mas afirmando sua encarnação, seremos vistos como impostores, confusos, enganadores, ignorantes, fanáticos ou pouco inteligentes.

Para eles, inteligente é quem conclui ou crê ou nega como eles. Para nós, inteligente é quem lê dentro dos acontecimentos.Maria inteligentemente praticou o “intus-legere”. Leu dentro, guardou-os no coração e foi aprofundando, sem nada afirmar, passo a passo com o filho, do nascer ao morrer, ao ressuscitar e ao voltar ao céu. Ela mais pensou do que falou. Fez o contrário de milhões de pregadores que mais falam do que pensam e acham que quanto mais marketing usarem e quanto mais falam do que Deus fez neles mais serão de Deus. O que houve com Maria foi fora de qualquer cogitação humana.

Jamais conseguiremos explicar que Deus-Pessoa-Filho existe e se fez homem. Maria também não saberia e nem inventar, nem prever isso. Teve que ir assimilando; a cada golfada de leite; a cada roupa dele que lavava; a cada papinha que lhe pôs na boca; a cada palavra que lhe ensinou; a cada brincadeira, choro e riso e... mais tarde a cada palavra que disse e a cada golpe que levou. Acreditou na medida em que meditava. Isso também fez Maria diferente. Ela pensava! Era pensadora. Por isso, assimilou! Poderíamos aprender com ela porque o mundo está superlotado de pregadores e de fiéis que preferem mais sentir do que pensar. O mundo será mudado pelos que conseguem fazer as duas coisas.

Padre Zezinho

domingo, 11 de abril de 2010

Sete alegrias de Maria

A tradição cristã forjou, no correr dos séculos, a imagem das “7 dores” e “7 alegrias” de Maria. O número 7 é inspirador. Evoca perfeição, completude. O sete evoca dois símbolos: 3 + 4. Para nós, o “três” sinaliza a unidade na diversidade (a trindade), enquanto que o quatro faz lembrar a abrangência do mundo e os quatro elementos básicos (água, terra, energia, ar). Felizmente, não existe nenhuma definição sobre o número e a denominação das dores e das alegrias de Maria. Portanto, a tradição viva da Igreja pode modificar, com liberdade, esta lista.
Há uma conjugação bela entre “dores” (ou tristezas) e “alegrias”. Todo ser humano, na medida em que faz uma opção de vida e persevera nela, enfrenta oposição e passa por dificuldades. Assim aconteceu também com Maria. Por outro lado, quem escolhe o caminho do Bem, mesmo que siga um caminho pedregoso, experimenta belos momentos de consolo, prazer, contentamento e confirmação interior. A pessoa, que se faz aprendiz da vida, aprende tanto com as alegrias quanto com as dores.
No entanto, a tradição católica deu muito mais ênfase às dores de Maria do que às suas alegrias. É momento de resgatar com intensidade as suas alegrias. A partir dos Evangelhos, lidos com o olhar de hoje, podemos identificar ao menos sete alegrias de Maria.

(1) O contentamento na anunciação (Lc 1,26): A primeira palavra dirigida a Maria é exatamente esta. O anjo de Deus a convida a alegrar-se em Deus. Aliás, todo o relato da infância em Lucas está encharcada por este sentimento de alegria. Quando o messias vem, o povo se alegra. Maria prova uma imensa alegria ao receber o convite de Deus. Sente-se de fato agraciada e envolvida num convite encantador.

(2) A alegria do encontro com Isabel: Maria se dirige às pressas para visitar sua parenta. Quando se encontram, Isabel é tomada de euforia. Proclama que Maria é “bendita entre as mulheres”, título no qual ecoa a participação de Maria no projeto salvífico de Deus. Que cena linda a ser contemplada: o encontro das duas mulheres, o cuidado cotidiano de uma com a outra, os sonhos e as esperanças em torno ao filho que vai nascer. Maria experimenta a alegria de ser missionária, de partilhar seu tempo e suas energias com alguém que necessita de proteção e ajuda. De fato, há mais alegria em dar do que em receber!

(3) O cântico alegre de Maria: Lucas coloca nos lábios do Maria um belo cântico, durante a visita a Isabel. Este canto de louvor de Maria foi chamado de “Magnificat”, primeira palavra da sua tradução latina, que significa “engrandecer”, ou “cantar as maravilhas”. Maria está cheia do Espírito Santo e proclama as grandezas de Deus na sua história pessoal e na história de seu povo. É um cântico de alegria e de consciência profética. Maria nos ensina a exercitar a ação de graças, a reconhecer e a proclamar com alegria os sinais de Deus na existência pessoal e nas práticas coletivas.

(4) O nascimento de Jesus: Lucas nos diz que o nascimento de Jesus foi motivo de alegria para todo o povo, a começar dos mais pobres, representados pelos pastores. Há alegria no céu e na terra! Todas as pessoas do Bem sentem-se amados por Deus, no momento em que o Filho assume a natureza humana. Maria participa desta alegria de maneira única, como protagonista. Ela é a mãe do filho de Deus encarnado. Gerou, gestou e deu à luz à Jesus. O natal é festa de alegria!

(5) Alegria na missão de Jesus: Pouca gente descobriu este contentamento especial que Maria provou, ao ver seu filho anunciar o Reino de Deus, curar os doentes, acolher os pobre e marginalizados, formar os discípulos e discípulas. Esta alegria não está descrita nos evangelhos, a não ser na cena de Caná. Maria e os discípulos experimentam um imenso prazer, quando percebem que Jesus é o vinho novo! Ele realiza as grandes esperanças de seu povo. Quanta alegria Maria viveu, ao acompanhar a missão de seu filho, como a perfeita discípula!

(6) Euforia da ressurreição: Depois de viver a decepcionante e trágica experiência da morte de Cruz, Maria e os seguidores de Jesus provaram uma alegria sem par. Jesus está vivo! Ele nos dá a paz. Ele venceu a morte! A ressurreição fez a comunidade de Jesus compreender que este Homem de Nazaré é o Filho de Deus! Com este novo olhar, compreenderam tantas coisas que Jesus fez e disse. Maria participa da ressurreição de Jesus de forma original: refaz lembranças, ilumina fatos, nutre sua fé, está presente como mãe da comunidade.

(7) Alegria de Pentecostes: O mesmo Espírito de Deus, que fecundou Maria e acompanhou Jesus, agora fecunda a comunidade cristã. Cria a comunhão na diversidade, reúne o novo Povo de Deus para além das fronteiras do judaísmo. Maria, que junto com outras mulheres e os familiares de Jesus, esteve em oração com os onze discípulos, acompanha a comunidade de forma discreta. É o tempo da história! A alegria de Maria e dos outras seguidores de Jesus se transforma na nossa alegria.

Ao percorrer as sete alegrias de Maria, cada cristão se reconhece nelas. Nossa vida de fé está marcada por estes sinais de Deus que nos consolam, nos fortalecem e nos estimulam. Com Maria, cantamos alegres: “O Senhor fez em nós maravilhas, Santo é o seu nome”.

Ir. Afonso Murad

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Maria das dores

A tradição católica enfatiza na semana santa as “Dores de Maria”. Recorda o sofrimento da mãe de Jesus ao ver o filho percorrer o triste caminho do calvário. Em algumas regiões do Brasil, faz-se na quarta-feira santa a “procissão do encontro”. Os homens vêem em procissão com a imagem de Jesus, e as mulheres, com a estátua de Maria. Com o nome sugere, os dois grupos se encontram ao final, para celebrar o trágico momento no qual Maria e Jesus convergem na trilha pública que o leva à morte.
Na sexta-feira da paixão multiplicam-se as vias sacras, os teatros da “paixão do Senhor”, na qual o drama encontra seu ápice na cena da cruz. Lá está Jesus, à beira da morte, acompanhado pelos dois ladrões (o bom e o maldoso), Maria e o discípulo amado. E, por fim, a terrível cena da “pietà”, na qual Maria sustenta nos braços o corpo morto de Jesus. Ao menos três dores do Maria no mesmo dia.
Maria, a mãe de Jesus, provavelmente viveu tal sofrimento, também partilhado pelos discípulos. A devoção popular, estimulada pelo clero e pelas correntes maximalistas, viu nestas cenas o fundamento de “Maria corredentora”. A idéia era muito simples. Dizia-se que Jesus nos salvou pela intensidade de seu sofrimento na cruz. Por isso, quanto mais sangue e mais sofrimento, maior seria a redenção. E Maria, como sofreu com Jesus na cruz, participou deste processo como ninguém, padecendo com seu coração de mãe.

Esta forma de refletir sobre as dores de Maria capta algo real: a solidariedade no sofrimento. Maria, a serva de Deus, está em profunda sintonia com Jesus, o Servidor da Humanidade, aquele no qual a comunidade cristã viu realizada a profecia do “Servo Sofredor”, anunciado por Isaías. Mas a reflexão deixa na sombra algo vital. A redenção trazida por Jesus não se realizou somente devido à morte na cruz. A salvação, oferecida em Jesus, é um longo processo. Começa na noite de natal, com a encarnação. Acontece em cada gesto de Jesus, quando anuncia o Reino de Deus, cura, inclui os pobres e pecadores, e fala do Pai. O gesto salvífico encontra seu ápice na cruz, expressão máxima do amor, a ponto de dar a vida. E só encontra sua plena compreensão à luz da ressurreição. Por isso, é mais correto afirmar que Jesus nos salva pelo seu nascimento, pela sua vida, pela sua morte e pela ressurreição.
Maria faz parte dessa história salvífica de forma especial. É a mãe de Jesus, personagem importante no mistério da encarnação. Em certo momento da vida, compreende o apelo de Jesus e se põe humildemente no caminho de seguidora. É aquela que realiza o perfil do discípulo: escuta a palavra, guarda no coração e a frutifica. E, no momento da cruz, é perseverante na fé. Por fim, participa com a comunidade de Jesus da alegria da sua ressurreição e do dom do Espírito.
É importante ver todo o trajeto da vida de Maria, junto a Jesus e seus discípulos. Não somente o momento da morte de cruz.
Precisamos compreender o lugar de Maria junto a Jesus e à sua comunidade, que hoje somos nós. Com ela, seguimos silenciosos o caminho de Jesus do calvário, até a cruz. Com ela também cantamos vibrantes a alegria da ressurreição. Aleluia!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Anunciação

Hoje, dia 25 de Março, celebramos a festa da Anunciação.
“O anjo entrou onde ela estava, e disse: Alegre-se, agraciada por Deus, o Senhor está contigo”. Ouvindo isso, Maria ficou perturbada e perguntava sobre o sentido daquela saudação (Lc 1,28s). E Maria disse: “Eis aqui a servidora do Senhor. Faça-se em mim segundo a sua palavra” (Lc 1,38).
A anunciação fala do encontro de cada ser humano com Deus. Em Maria acontece algo que é reservado, em intensidade diferente, para cada ser humano, quando entra em diálogo salvífico com Deus. À luz desse encontro único e original de Deus com Maria, celebramos os múltiplos encontros do Senhor com seus seguidores.
- Como Maria, recebemos a visita de Deus, que vem ao nosso encontro, na casa, na cidade, no lugar onde estamos;
- Ele nos convida a nos alegrarmos, pois com sua presença ficamos felizes e daí brota alegria no coração e nos lábios;
- Em Deus cada um se sente agraciado(a); e este encanto nos enche de graça;
- Como Maria, recebemos uma missão exigente. Por isso, o próprio Deus assegura que vai estar conosco, como esteve com Moisés, com os profetas e com os discípulos de Jesus.
- Ao receber as surpresas de Deus, quem não se perturba? Por vezes, a mensagem é tão original, que é preciso pensar muito sobre o seu sentido, até descobrir todo seu alcance.
- Por fim, ressoa no mais íntimo de cada ser humano que busca a Deus e quer colaborar na grande corrente do Bem, o gesto de Maria: ser servidora, deixar a palavra viva moldar sua existência. E assim, engajar-se num grande projeto que a extensão da humanidade e do mundo.
Hoje, com Maria, renovamos nosso SIM a Deus.

Texto: Ir. Afonso Murad
Imagem: Anunciação, Lorenzo di Credi.

sábado, 13 de março de 2010

terça-feira, 2 de março de 2010

Introdução à Mariologia

Iniciei um curso de Introdução à Mariologia, em Belo Horizonte. Desta vez, é destinado a jovens candidatos à Vida Religiosa Marista, etapa que se chama “postulantado”. Acontecerá a cada 15 dias, durante hora e meia, em dois semestres.

A Introdução à Mariologia terá um enfoque mais existencial e pastoral. Favorecerá a tematização da experiência, as conexões com outros saberes e a preparação para a Pastoral, sobretudo com crianças e jovens.

Utilizaremos o blog como meio de estudo, partilha e discussão. Caminharemos, ao ritmo do grupo, subindo os três degraus do conhecimento sobre Maria: na Bíblia, na Tradição Viva da Igreja e no culto.
Que interesses e perguntas os participantes trazem consigo?

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Ladainha a Maria

Serva do Senhor, rogai por nós
Mulher do Sim sempre renovado, rogai por nós
Peregrina na fé, rogai por nós
Amiga de Isabel, rogai por nós
Amada de José, rogai por nós
Coração alegre e sintonizado em Deus, rogai por nós
Profetiza da humanidade nova, rogai por nós

Jovem Mãe em Belém, rogai por nós
Educadora de Jesus, rogai por nós
Discípula do Senhor, rogai por nós
Perseverante no seguimento até a cruz, rogai por nós
Protagonista em Pentecostes, rogai por nós
Iluminada pelo Espírito Santo, rogai por nós
Companheira dos amigos de Jesus, rogai por nós

Mãe da comunidade cristã, rogai por nós
Maria, toda de Deus e tão humana, rogai por nós

(Afonso Murad)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Introdução à Mariologia

Clodovis BOFF, Introdução à mariologia. Petrópolis: Vozes,
Reedição 2009, 125 páginas.

O livro está dividido em três capítulos: Introdução geral à mariologia, Maria no Novo Testamento e Maria no capítulo VIII da Lumen Gentium.
No primeiro capítulo, o autor explana o estudo da mariologia, dos objetivos aos princípios metodológicos, perpassando os principais temas do estudo da mariologia. Aí se mostra a originalidade do pensamento de Clodovis, como teólogo.
O segundo capítulo é o mais extenso. Ocupa, praticamente, a metade do livro. Neste, encontra-se uma síntese da mariologia de cada evangelista.
Mostra a “mariologia a-mariológica” (p. 37) de Marcos, porquanto esse evangelista não dá um relevo especial à figura de Maria. Destaca os evangelistas Mateus e Lucas, que mostram o papel exercido por ela na história da salvação. Indica a relevância do significado de Maria para João como uma “personalidade corporativa” (p. 32).
No terceiro capítulo, o Autor expõe a mariologia do Vaticano II, como se encontra no capítulo VIII da Lumen Gentium, perpassando cada número do documento conciliar em tela. Por fim, após mostrar os enfoques eclesiológico e cristológico dados pelo documento, conclui apontando mais quatro enfoques transversais: histórico-salvífico, bíblico, antropológico e pastoral (p. 119s).
O livro de Clodovis Boff oferece, de acordo com o título, uma ótima introdução ao estudo da mariologia, partindo da Bíblia, em relação dinâmica com a Igreja e o seu magistério.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Dizer teu nome, Maria

Dizer teu nome, Maria,
é dizer que a pobreza
compra os olhares de Deus.
Dizer teu nome, Maria,
é dizer que a promessa
vem com leite de mulher.
Dizer teu nome, Maria,
é dizer que a nossa carne
veste o silêncio do Verbo.
Dizer teu nome, Maria,
é dizer que o Reino chega
caminhando com a história.
Dizer teu nome, Maria,
é dizer ao pé da cruz
e nas chamas do Espírito.
Dizer teu nome, Maria,
é dizer que todo nome
pode estar cheio de graça.
Dizer teu nome, Maria,
é chamar-te toda Sua,
causa da nossa alegria.
(Dom Pedro Casaldáliga)