terça-feira, 24 de março de 2009

Dogma "Maria, mãe de Deus"

O que significa teologicamente este dogma
Quando proclamamos “Maria, mãe de Deus”, estamos dizendo, conforme o dogma, que ela é a mãe do Filho de Deus encarnado. Maria não se tornou uma deusa, nem entrou na Trindade. Mas, como Deus-Comunidade se comunica conosco através de Jesus e do seu Espírito, a maternidade de Maria diz respeito a cada pessoa divina na Trindade.
Em relação a Deus-Pai, Maria é uma filha predileta. Ela foi agraciada com ternura pelo Criador, que a moldou com especial carinho. Ao mesmo tempo, Maria concretiza, de forma humana, a eterna geração que o Pai realiza com o Filho, no seio da Trindade. Como toda mãe ou pai, ela é figura do amor criador de Deus-Pai.
Em relação a Deus-Filho, Maria é mãe, educadora e discípula. O seu relacionamento com Jesus supera os laços de família. Maria é mãe, mas sua missão vai mais além. Esteve junto de Jesus durante sua vida terrena e, agora, glorificada, continua junto do Filho ressuscitado, na comunhão dos Santos. Quando se diz, em alguns cantos, que Maria é “mãe do criador”, não se fala aí de Deus-Pai, mas do Filho de Deus, que participa também da criação (Jo 1,2s). Maria é mãe de Deus-Filho, feito homem em Jesus Cristo. Não é mãe nem de Deus-Pai, nem do Espírito Santo.
Maria é uma pessoa plena do Espírito do Senhor. Como perfeita discípula de Jesus, acolheu o Espírito Santo e fez-se transparente a ele. Tornou-se um templo vivo de Deus e se transformou, por Graça, na mãe do Messias. A docilidade ao Espírito Santo explica a maternidade biológica de Maria e o seu coração tão aberto a Deus. Alguns místicos chamam Maria de “esposa do Espírito”. Esse título deve ser entendido em sentido metafórico, para expressar a intimidade mística de Maria com o Espírito.

A Igreja é mãe como MariaQuando nascemos, somos acolhidos na comunidade cristã, que nos recebe como mãe. A Igreja-mãe gera novos filhos pela fé, pelo batismo e pelo testemunho de lutar pelo Bem. A comunidade nos nutre por meio da oração, da eucaristia e da vida fraterna. Nos pequenos grupos, sentimos o colo e o aconchego de mãe. Somos ajudados, ouvidos, valorizados e educados. No seio da comunidade temos oportunidade de crescer como seres humanos e filhos de Deus.
A “opção preferencial pelos pobres” é uma das formas mais claras de a Igreja mostrar que é mãe. Ela se volta para os filhos mais necessitados, que estão privados de direitos elementares e realiza um serviço eficaz para superar as causas da pobreza.

Desenvolver a dimensão materna em cada ser humano
Santo Ambrósio, no século quarto, dizia que cada cristão é mãe como Maria, pois gera Cristo no seu coração. Hoje, numa sociedade tão marcada pela violência, pelo egoísmo, pela dureza nas relações humanas, pela destruição do meio ambiente, precisamos desenvolver atitudes maternas, uns para com os outros, e para com todos os seres. Quanto mais cultivarmos a ternura, a intuição, o cuidado, a acolhida, o zelo pela vida ameaçada, mais estaremos realizando nossa dimensão materna. Isso vale para homens e mulheres. E Maria, nossa mãe, nos ajudará nesta tarefa.
O dogma da maternidade divina no diálogo ecumênico
A maternidade divina de Maria é o dogma que encontra mais consenso entre as Igrejas cristãs, pois tem base bíblica e foi formulado no Concílio de Éfeso, no ano 431. Para a Igreja ortodoxa, “Theotókos não é um título opcional de devoção, mas a pedra de toque da verdadeira fé na encarnação. Negá-lo é colocar em questão a unidade da pessoa de Cristo como Deus encarnado” (K. Ware). A pessoa e a vocação de Maria só podem ser compreendidos no contexto cristológico. E porque se reverencia a Cristo como O Senhor, no mistério da criação, redenção e recapitulação, considera-se Maria a mãe de Cristo Nosso Deus, como também a mãe universal, de toda a humanidade, doadora de vida para toda a criação.
Bem mais complexa é a posição dos protestantes. Lutero aceitava atribuir a Maria o título de “Theotokos” (literalmente: “parturiente de Deus”. E a “fórmula da concórdia” da Igreja luterana, em 1557, diz: “nós cremos, ensinamos e confessamos que Maria é justamente chamada Mãe de Deus e que o é verdadeiramente”. Posição semelhante assume Zwinglio: “Maria é justamente chamada, ao meu ver, genitora de Deus, Theotókos”. Já Calvino prefere falar de “Mãe de Nosso Senhor” (Cristotókos). Hoje, os teólogos reformados que aceitam o título Theotókos insistem que a maternidade divina de Maria deve ser que ser compreendida exclusivamente em relação a Jesus; não como privilégio humano, mas sim fruto da Graça de Deus. E que não se considere Maria como uma deusa.

Uma palavra iluminadora
A maternidade de Maria tem sua raiz na graça de Deus, que a contempla e a cumula de amor divino. Maria responde com inteireza ao convite divino, na fé e através da fé, tornando-se mãe e discípula de Jesus. Enquanto membro da comunidade-Igreja, ela exercita uma missão materna que é puro serviço e nada retém para si. Ela é nossa “mãe e companheira na fé”, no horizonte cristão. Sua maternidade a coloca, antes de tudo, na comunidade de seus irmãos e irmãs, que, ontem como hoje, enveredam pelo fascinante caminho do seguimento de Jesus.

Afonso Murad

Mariologia - ISTA

Mariologia - Faculdade Dehoniana

segunda-feira, 23 de março de 2009

Dogmas: para que?

Era uma vez um lindo santuário, no alto da montanha. Para lá acorriam muitas pessoas, de diferentes povos, culturas e nações. Multidões de peregrinos, ao longo do tempo, foram pisando o chão da trilha que leva ao santuário. Tiraram o mato e abriram outros trechos. Aos poucos, foi se fazendo uma estrada, pois os peregrinos descobriram que, tão importante quanto a meta a alcançar, é o caminho que conduz a ela. A estrada até o santuário era muito bonita. Embora houvesse espinhos, poeira, lama e buracos, podia-se ver a beleza do sol no meio da serra, respirar o ar puro das plantas, deixar-se penetrar pelo verde intenso das copas das árvores e sentir odores de flores silvestres. Ao lado do caminho, tortuoso e belo, havia também precipícios e abismos.
Durante muito tempo os peregrinos iam ao santuário, pela estrada, a pé ou em lombo de burro. Os séculos se passaram e vieram os carros e ônibus. Devido a muitos acidentes, os encarregados do santuário colocaram acostamento, antiderrapantes, sinais luminosos para a noite, protetores e placas. Certamente, a estrada era perigosa, pois muitos haviam errado o caminho e despencaram no abismo. Mas a estrada permanecia fascinante. Então, alguns acharam que era muito arriscado deixá-la assim. Levantaram muros nas encostas, colocaram quebra-molas e fixaram mais placas para indicar o caminho.
Ficou difícil caminhar por aquela estrada. Ela perdeu a beleza e a praticidade. Novos povos que faziam a romaria não entendiam as antigas placas. Chamaram então técnicos para interpretar as placas, o que tornou o caminho mais difícil de ser percorrido. As autoridades do santuário passaram a se preocupar com os muros de arrimo, as placas, as explicações, as advertências sobre os perigos, e se esqueceram que o mais importante era a peregrinação. Perderam de vista que a estrada levava ao Santuário, lugar de encontro com o Deus que caminha conosco.
Então, alguns homens e mulheres iluminados perceberam o equívoco. Tiraram tudo aquilo que atrapalhava a estrada e deixaram apenas o que ajudava os romeiros. As pessoas voltaram a descobrir a beleza da estrada e a rezar pelo caminho. Mais gente passou a ir ao Santuário, e de lá voltava com o coração alegre e renovado.
Os dogmas são como placas que indicam o caminho de nossa fé. Foram criados para ajudar a comunidade eclesial a se manter no rumo do Santuário vivo, que é Jesus. Funcionam como balizas, sinalizadores, arrimos e proteção. Sua razão de ser consiste em sinalizar o caminho da fé, encarnada na atualidade. Trazem o passado até nós, mas não se detém nele. Os dogmas cristãos, se vistos de forma dinâmica, são uma valiosa colaboração para retomar as trilhas já traçadas, aprender com os acertos e erros e possibilitar uma compreensão atualizada da nossa fé.
Neste blog vamos fazer uma leitura atual dos dogmas católicos sobre Maria, a mãe de Jesus.

Texto: Afonso Murad, Maria toda de Deus e tão humana, Paulinas.
Gravura: Ir. Anderson, msc

quarta-feira, 18 de março de 2009

Maria na bíblia: panorama

As comunidades cristãs das origens fizeram um caminho de descoberta a respeito da figura de Maria, a mãe de Jesus. Neste blog você pode ver com detalhes a respeito de cada passo dado, especialmente nos evangelhos. Confira no índice dos temas, no lado direito. Vamos fazer um “vôo panorâmico”, no qual se podem perceber os traços mais importantes deste processo.

Já se fala sobre Maria no Antigo testamento? Grande parte dos estudiosos da Bíblia está de acordo neste ponto: não há nenhum texto nas escrituras judaicas, ou primeiro testamento, com a intenção explícita de fazer um anúncio antecipado sobre Maria. Na realidade, depois que Maria se tornou reconhecida na comunidade cristã, a partir do século 3, aconteceu uma releitura dos textos bíblicos. Ampliou-se o sentido original. Assim, algumas imagens e alegorias, como “a descendência da mulher que esmaga a cabeça da serpente” (Gn 3,15), passaram a ser compreendidas em relação à mãe de Jesus.

Nos escritos de Paulo não há referência direta a Maria. Somente o texto de Gálatas 5,5 faz uma ilusão à mãe de Jesus, ao falar que Deus “enviou seu filho, nascido de uma mulher”.

No evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, Maria aparece no meio dos familiares de Jesus, sem qualquer destaque. O evangelista mostra com clareza que, para Jesus, importa sobretudo uma nova família, não mais formada por laços de parentesco. A verdadeira família de Jesus será, de agora em diante, a dos seus seguidores, ou seja, os discípulos e discípulas que fazem a vontade do Pai.

Mateus acrescenta um dado novo. Ele prepara o anúncio da vida pública de Jesus com os “relatos de infância”, que estão centrados na figura de José, o homem justo que sempre age de acordo com o apelo de Deus. Assim, José acolhe a Maria como sua esposa e não tem relações intimas com ela até o nascimento. Adota Jesus como seu filho, mesmo não sendo o pai biológico e protege a ambos dos perigos que surgem. Maria é apresentada como aquela que concebe pela ação do Espírito e está unida ao filho, como mostra a expressão “o menino e sua mãe”, repetida 5 vezes.

O evangelho que mais se refere a Maria é Lucas. A começar pela quantidade dos relatos nos quais ela aparece ou se diz algo sobre a mãe de Jesus: anunciação, visita a Isabel, cântico do Magnificat, nascimento de Jesus, apresentação no templo, profecia de Simeão, desencontro no templo aos 11 anos, a vida em Nazaré, as palavras de Jesus sobre a família, o diálogo com a mulher na multidão, a presença de Maria na comunidade nascente, preparando a vinda do Espírito Santo. Através de todos estes relatos, Lucas nos apresenta Maria como a figura da/o perfeito discípulo de Jesus, que ouve a Palavra de Deus, guarda-a no coração e dá frutos na perseverança.
Além disso, Maria trilha um caminho na fé. Totalmente entregue aos projetos de Deus, ela não entende tudo o que lhe acontece, e por isso mesmo precisa continuamente meditar o sentido dos acontecimentos. Passa por momentos belos e difíceis, alegres e sofridos. O fato de ter que aprender o “jeito novo” de ver o mundo que Jesus propõe causa-lhe conflitos, que lhe atravessam o coração como uma espada. Como mulher proveniente de Nazaré da Galiléia, Maria vive e anuncia a opção preferencial de Deus pelos pobres, tal como Jesus o vive e anuncia no sermão da planície.
Por fim, Maria é uma pessoa especialmente contemplada pelo Espírito Santo, que a cobre com sua sombra na concepção de Jesus e atua na comunidade dos discípulos em Pentecostes, como línguas de fogo. “Nuvem” e “fogo” são os símbolos da presença de Deus junto de seu povo peregrino, desde a libertação do Egito. Nuvem quer dizer proteção e fecundidade. Já o fogo alude a energia, amor e vitalidade. Este é perfil de Maria em Lucas: perfeita discípula, peregrina na fé, sinal da opção de Deus pelos pobres, mulher contemplada pelo Espírito Santo.

João completa o perfil de Lucas acrescentando duas outras características. Ao apresentar Maria no início da missão de Jesus (bodas de Caná) e no momento derradeiro (junto à cruz), expressa que é uma pessoa significativa para Jesus e sua comunidade. Nos dois relatos, Jesus não a chama de “mãe”, e sim de “mulher”, como o faz com outras mulheres importantes, como a Samaritana e Madalena. Em Caná, Maria é apresentada como a “pedagoga da fé”, que orienta os servidores para “fazer tudo o que Jesus disser”. Ajuda a reunir os discípulos em torno a Jesus. Possibilita a realização do primeiro sinal, que inicia o processo de acreditar em Jesus e compreender quem ele é. Já na cruz, Maria aparece junto com as mulheres e o discípulo amado, perseverante na fé, no momento em que cessam os sinais. Por vontade de Jesus, há uma adoção recíproca. Ela assume a missão de mãe da comunidade cristã, representada pelo “discípulo amado”, e a comunidade a acolhe como tal.

O texto de Apocalipse 12 não é originalmente mariano. A mulher, revestida de sol, com as estrelas debaixo dos pés e as doze estrelas significa, em primeiro lugar, a comunidade-igreja, que já experimenta neste mundo os frutos da glorificação de Jesus. De outro lado, também sofre os ataques das forças do mal na história, é frágil, vive no deserto (lugar de tentação e de encontro com Deus) e sente a solidariedade da Terra. Como aconteceu com textos do Antigo Testamento, houve posteriormente uma releitura de Apc 12, dando-lhe uma conotação mariana. Ela se apóia no fato de Maria ser mulher e mãe do messias. Nas comunidades cristãs do século 4 nasce assim a intuição de que ela participa, de forma singular, da glorificação que será concedida a todos os seguidores de Jesus.

O perfil bíblico de Maria é fundamental para elaborar uma mariologia consistente, equilibrada e centrada em Jesus. A partir dele, corrige-se os exageros do devocionismo e do maximalismo mariano. Estabelece-se assim elementos para o diálogo enriquecer com outras Igrejas cristãs.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Maria em Lucas: síntese

Lucas apresenta o mais belo e diversificado perfil de Maria na Bíblia. Para o evangelista, o discípulo de Jesus é aquele(a) que ouve seu apelo, segue-o e aprende com ele no caminho (Lc 5,10s; 13,22). Ser aprendiz de Jesus significa também fazer parte de sua comunidade, peregrinar na fé e participar da causa de Jesus, que é o Reino de Deus. O seguidor de Jesus é aquele que “ouve a Palavra de Deus num coração generoso, conserva no coração e frutifica na perseverança” (Lc 8,15: explicação da parábola da semente e dos tipos de terra). Ora, a grande novidade de Lucas é apresentar Maria como a imagem viva do discípulo(a) de Jesus.
Podemos resumir as seguintes características de Maria no terceiro evangelista: a seguidora de Jesus, a peregrina na fé, o sinal da opção de Deus pelos pobres e a mulher contemplada pelo Espírito Santo.
(1) Seguidora de Jesus: Maria realiza as três qualidades básicas do discípulo fiel. Ela acolhe a palavra de Deus com fé (relato da anunciação: Lc 1,28-38), conserva a palavra no coração e a medita, confrontando-a com os fatos (Lc 2,19 e Lc 2,51) e frutifica esta palavra viva; sendo uma pessoa de intensa fé (“feliz de você que acreditou”: Lc 1,40) e a mãe do messias (“bendito é o fruto do teu ventre” em Lc 1,42). Somente Lucas relata a cena da mulher na multidão que grita: “Feliz o ventre que te gerou e o seio que te amamentou”, em claro elogio à maternidade biológica. Mas Jesus lhe responde: “Antes, felizes os ouvem a palavra de Deus e a realizam” (Lc 11,27). Antes de ser uma crítica à Maria, este texto revela sua real importância. A maternidade é conseqüência e expressão de sua fé. Neste sentido também, Lucas refaz a expressão final do (des)encontro de Jesus com os familiares, com a expressão: “Minha mãe e meus irmãos são os que ouvem a Palavra de Deus e a realizam”(Lc 8,21). Há portanto uma prioridade da fé, enquanto adesão à Jesus e à sua causa, sobre o simples fato de ser mãe de Jesus.
(2) Peregrina na fé: Somente Lucas relata as palavras de Simeão a Maria: “Quanto a ti, uma espada transpassará tua alma” (Lc 2,25). Não se trata de uma alusão ao sofrimento de Maria na hora da cruz, pois nos evangelhos sinóticos Jesus morre sozinho e Maria não está incluída entre as mulheres que o observam, de longe. A espada tem um sentido metafórico. Alude a Jesus, que é a palavra-gesto do Pai, conforme Hb 4,12s: "A Palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes. Julga as disposições e as intenções do coração. E não há criatura oculta à sua presença". Maria, como os outros aprendizes de Jesus, não sabia tudo. Foi fazendo descobertas no correr de seu caminho espiritual. Neste sentido, o relato da perda no templo confirma que Maria e José não entendem naquele momento as palavras e os gestos de Jesus (Lc 2,41-50). Por isso mesmo, ela precisa refletir e buscar o sentido dos fatos. A interpretação nova que Jesus dá à Lei, ao sábado, ao templo e às tradições questionava seus seguidores, trazia conflitos e lhes provocava mudanças na sua visão religiosa. Era uma espada! Maria passou pelo crivo da espada da Palavra, e cresceu com isso.
(3) Sinal da opção de Deus pelos pobres: Lucas é o evangelista que mais desenvolve a dimensão social da Boa Nova de Jesus. Coerente com esta orientação, Maria é apresentada por ele como uma mulher pobre, da desconhecida terra de Nazaré da Galiléia. Jesus nasce num lugar sem recursos e é envolvido em faixas (Lc 2,12). Como são pobres, os pais de Jesus oferecem pássaros no templo, em vez do cordeiro (Lc 2,24). O cântico de Maria, chamado “Magnificat” resume, de forma poética, a proposta de Jesus nas Bem-Aventuranças (Lc 2,46-55 em comparação com Lc 6,20s). Sinaliza, com clareza, que a Boa Nova de Jesus propõe uma mudança nas atitudes das pessoas e nas estruturas sociais. Deus se volta sobretudo para os mais pobres, pois são os que mais necessitam. Sua misericórdia permanece para sempre.
(4) Mulher contemplada pelo Espírito Santo: Em Lucas, Jesus começa a missão recordando a profecia de Isaías: “O Espírito de Deus está sobre mim” (Lc 4,14). É o Espírito que age em Jesus e nos seus seguidores, após pentecostes. Maria é apresentada então como a mulher sobre a qual “a sombra do altíssimo” se estende, para possibilitar a concepção de Jesus. Ela também participa da comunidade que prepara a vinda do Espírito (At 1,14). Portanto, Maria é “contemplada” duplamente pelo Espírito Santo: no nascimento de Jesus e no nascimento da comunidade cristã, após a ressurreição de Jesus.
A partir de Lucas, descobrimos traços originais da figura de Maria. O “sim”, pronunciado com inteireza no início da juventude, se renova no correr da vida. Ela passa por crises e situações desafiadoras, que a fazem crescer e caminhar sempre mais na adesão ao Senhor. Maria nos recorda que Deus escolhe preferencialmente os simples e humildes para iniciar o Reino de Deus, esta recriação da humanidade e dos cosmos. A partir do Magnificat, ouve-se o apelo por novas relações interpessoais, econômicas, políticas, culturais e ecológicas. Maria simboliza o ser humano em construção, aberto a Deus, tocado pelo Espírito Santo, cultivando um coração solidário.Essas características marianas inspiram atitudes de vida de cada cristão e da Igreja-comunidade. Sentimo-nos chamados a sermos discípulos fiéis de Jesus, ouvindo, acolhendo, guardando no coração e praticando sua Palavra. Renovamos o nosso “sim”, mesmo no meio das crises, pois sabemos que somos “bem-amados de Deus” (Ef 1,6). Alimentamos, como Maria, um coração agradecido a Deus, que O louva por todo o bem que Ele realiza em nosso meio e através de nós. E nos empenhamos pela solidariedade e pela cidadania planetária, construindo uma sociedade mais próxima do projeto de Deus.