sábado, 22 de agosto de 2009

Ícone de Maria, de Vladimir

O ícone é uma imagem feita em painel de madeira. Do grego, a palavra eikón significa imagem. Na cristandade oriental trata-se de um objeto de culto proposto pela Igreja à veneração dos fiéis; um instrumento didático, porque, por meio dele se torna presente o mundo invisível. A iconografia mariana transmite uma mensagem própria. Seu objetivo é louvar, glorificar e celebrar o Salvador do mundo. E Maria ocupa um lugar, junto com Cristo, todo especial na iconografia oriental.
Muitas destas imagens marianas se voltam para o mistério da encarnação do Cristo. Anunciam Maria como Theotokos, a Mãe do Filho do Deus encarnado, dogma declarado no Concílio Ecumênico de Éfeso, em 431. Um exemplo de ícone que apresenta o dogma da Theotókos é o da Virgem de Vladimir. Foi levado de Jerusalém para Constantinopla em meados do século V, passando então pela cidade de Kiev e daí para a cidade de Vladimir. Hoje se encontra na catedral de Uspenskii, em Moscou. Como o ícone tem uma finalidade didática, por cada traço tem um significado.

Este tipo de ícone é chamado de Eleúsa, e significa terna, misericordiosa. Trata da Maria que leva no braço o Menino Jesus. A postura deste é de se encostar afetuosamente na mãe. Face a face e com o braço em volta do pescoço dela. O menino parece acariciar o queixo da mãe com o seu rosto. É a imagem da Theotokos, que coloca em evidência o afeto que une mãe e Filho, exaltando a humanidade de Cristo e a Maternidade Divina de Maria.
Os rostos dos dois se encontram em gesto afetuoso. Uma das mãos da mãe, que está livre, aponta para o Filho, como a dizer que ele é “o caminho, a verdade e a vida” (cf. Jo 14,6). A imobilidade da imagem representa a paz. O ícone está imerso na luz que vem de Deus, representado pelo fundo dourado. O manto é adornado com elaborados desenhos. O branco da roupa do menino representa a luz mesma, obtida pela soma de todas as cores. Alude à nova vida da ressurreição do Cristo. A púrpura ou o roxo, característico dos ícones do Pantokrátor (Senhor Glorificado) da Theotokos, é a cor do poder divino que Cristo, e por extensão deste, de sua mãe.
A franja sugere a dignidade real. As estrelas no ombro e na testa representam a virgindade de Maria. As letras gregas, usualmente a primeira e a última de um nome, identificam Maria como mãe de Deus. E no que se refere ao menino, como Filho de Deus.

Conforme a cultura da época, a cabeça feminina é coberta por um manto, não deixando aparecer os cabelos. As cabeças de Cristo e de Maria estão circundados por uma auréola de cor dourada, representando a luz de Deus. O rosto é a alma do ícone. Com os olhos voltados para frente, significa a presença representada pela frontalidade. Nesta posição, estão em contato direto com quem o contempla. Na posição orante demonstra que o seu pensamento está voltado para Deus. Neste ícone da Virgem de Vladimir, o rosto de Maria está voltado para Jesus, e ao mesmo tempo o seu olhar se dirige a quem o observa. Os olhos vigiam e interrogam a alma do expectador, querendo conduzi-lo a contemplar o mistério que apresenta.

Neste dogma, representado no ícone, percebemos que Maria contribui para fazer a história da salvação acontecer. Os fracos podem gerar Deus no seio da história. Maria é a figura da pessoa que encarna a Palavra de Deus, gerando vida. Ela coopera para a salvação humana com livre fé e obediência (LG 144). Torna-se assim parceira de Deus, e colaborando ativamente e tomando consciência de sua missão. Uma mulher pobre, de Nazaré da Galiléia, foi escolhida para ser a mãe do messias. Mistério da opção preferencial pelos pobres!
No seu corpo a Palavra se fez carne e habitou entre nós de modo concreto. Nela se cumpriu o que foi dito da parte do Senhor (Lc 1,45). Por seu sim, a palavra eterna de Deus se fez Palavra histórica neste mundo. Ação afetuosa de Deus Pai, por seu Filho Jesus Cristo, na força do Espírito! O Deus Trino abraça toda a humanidade por meio da maternidade de Maria, vindo ao nosso encontro. Ela une divindade e humanidade no seu sim. É o ponto de união entre o céu e a terra, segundo o documento de Puebla (n. 301).
Assim, como na iconografia mariana, a mãe aponta para o Filho, caminho verdade e vida, como a dizer: “fazei o que ele vos disser” (cf. Jo 2,5 ). Ao mesmo tempo em que se coloca a caminho, como seguidora e discípula, escutando a palavra de Deus e a colocando em prática (cf. Lc 11,28; cf. 1,38.45).
Texto: Frei Chico Viana, ofm (Aluno de mariologia no ISTA)
Revisão: Afonso Murad

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Bibliografia básica sobre Maria

1. Livros
AGOSTINHO, St., A Virgem Maria. São Paulo, Paulus, 1996, 177 pp. (breves textos comentados).
BOFF, Clodovis, Mariologia social. São Paulo, Paulus, 2006, 716pp. (Exaustivo manual de mariologia).
BOFF, Clodovis, Introdução à mariologia. Petrópolis, Vozes, 2004, 121pp. (Excente trabalho de iniciação à Mariologia).
BOFF, Lina, Mariologia. Interperlações para a vida e a fé. Petrópolis, Vozes, 2007, 186 pp. (reflexões sobre Maria em Lucas, na Marialis Cultus e em Puebla).
BOFF, Leonardo., O rosto materno de Deus. Petrópolis, Vozes, 1979, 267 pp. (Ensaio polêmico e criativo: reler a figura de Maria à luz do arquétipo do feminino).
BOTELHO MEGALE, N., 112 invocações da Virgem Maria no Brasil, 1986, Petrópolis, Vozes, 376 pp. (Breve apresentação das principais “Nossas Senhoras”)
CALIMAN, C.(org), Teologia e Devoção mariana no Brasil. São Paulo, Paulinas, 1989, 152pp (pequenos artigos de mariologia, de vários autores).
CANTALAMESSA, R., Maria, um espelho para a Igreja. Aparecida, Santuário, 1992, 193 pp (Espiritualidade mariana).
DE FIORES, S., Maria en la teologia contemporanea. Sígueme, Salamanca, 1991, 603 pp. (Obra completa, de caráter programático e histórico-crítico. Retoma as principais correntes da mariologia e reflete sobre os dogmas marianos).
DE FIORES, S. et MEO,S. (org), Dicionário de mariologia. São Paulo, Paulus, 1995, 1350 pp (dicionário imprescindível para estudar mariologia).
FORTE, B., Maria, a mulher ícone do mistério. São Paulo, Paulinas, 1991, 248 pp. (Síntese original dos dados bíblicos e dogmáticos sobre Maria. Resgata elementos da trilogia simbólica mariana (virgem, esposa e mãe).
FRANCIA, A. e Sánchez, G., Maria@sempre. Uma mulher do nosso tempo. São Paulo, Paulus, 2007, 208pp. (catequese e celebrações marianas, com enfoque existencial).
GARCÍA PAREDES, J., Mariología. Madrid, BAC, 1995, 411 pp. (Manual atualizado e didático).
GONZÁLES, C.I., Maria, Evangelizada e evangelizadora. São Paulo, Loyola, 1990, 444 pp. (Manual de mariologia do CELAM, contemplando Maria no Novo Testamento, no dogma, no culto e nas "aparições", em perspectiva conservadora).
GONZÁLEZ DORADO, A., De María conquistadora a María liberadora. Mariologia popular latinoamericana. Santander, Sal Terrae, 1988, 142 pp. (Analisa o valor e a ambiguidade da "mariologia popular", em confronto com a reflexão bíblica e teológica sobre Maria, na perspectiva da teologia da libertação).
L. BINGEMER, M.C. et GEBARA, I., Maria, mãe de Deus e mãe dos pobres. Petrópolis, Vozes, 1987, 208 pp. (Mariologia na perspectiva da Teologia da libertação e feminista, de caráter teólogico-pastoral).
LAURENTIN, R., María, clave del mistero cristiano. Madrid, San Pablo, 1996, 160 pp (Sintese de mariologia deste famoso escritor francês).
MURAD, A., Quem é esta mulher? Maria na bíblia, São Paulo, Paulinas, 1996 (Mariologia bíblica, destinada a estudantes de teologia).
MURAD, A., Maria, toda de Deus e tão humana. São Paulo, Paulinas, 2004 (Manual de Mariologia de cunho teológico-pastoral)
MURAD, A., Visões e aparições. Deus continua falando? Vozes, 1997. (Análise do fenômeno das Aparições e critérios de discernimento)
NAVARRO PUERTO, M., Maria, la mujer. Ensayo psicológico-bíblico. Madrid, Publicaciones Claretianas, 1987, 292 pp. (Ensaio interdisciplinar bem-sucedido sobre Maria, destacando seu aspecto feminino).
PADRE ZEZINHO, Maria do jeito certo. São Paulo, Paulinas, 2008, 1994. (Livro pastoral lúcido, questionando os excessos marianos na Igreja)
PIKAZA, X., La madre de Jesús. Introducción a la mariologia. Sígueme, Salamanca, 1990, 411 pp. (Excelente trabalho, de cunho espiritual, exegético e especulativo, em diálogo com teologias contemporâneas).
PIKAZA, X., Amiga de Dios. Mensaje mariano del Nuevo Testamento. Madrid, San Pablo, 1996, 258 pp.
KUNG, H (org), Maria nas Igrejas. Número temático de Concilium 188, 1983, 134 pp.
SCHILLEBEECKX, E. e HALKES, C., Mary yesterday, today, tomorrow. SCM Press, 1993, 88 pp. (Há versão em espanhol).

2. Artigos em dicionários ou enciclopédias
L. BINGEMER, M.C. et GEBARA, I., María, in: Mysterium Liberationis. Vol II, p. 601-618.
LAURENTIN, R., María, in: Diccionario teológico interdisciplinar. Vol III, p. 413-431.
VV.AA, María-Mariología, in: Diccionario de Conceptos teológicos. Vol II, p.25-39.
VV.AA, Maria (número temático de RIBLA, 2004)
VV.AA. Maria, Mariologia, in: Dicionário de Teologia feminista.

3. Revistas de Mariologia
Ephemerides Mariologicae, Misioneros Claretianos, Madrid.
Theotokos, Ricerche interdisciplinari di Mariologia, Edizioni Monfortane, Roma.
Marianum, della Pontificia Facultas Theologica "Marianum", Roma.

4. Documentos do magistério
LUMEN GENTIUM 8: (A mariologia do Concílio Vaticano II).
PAULO VI, O culto à Virgem Maria (Marialis Cultus), 1974.
JOÃO PAULO II, A mãe do redentor (Redemptoris Mater), 1989.
CELAM, Conferência de Aparecida, 2008 (ver: parágrafos sobre Maria)

(Atualizada em 11 de agosto de 2009. Preferencialmente, livros em português e espanhol)

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Aparições de Maria (2)

Continuamos a responder as principais perguntas sobre as Aparições de Maria. Se você quer conhecer mais, leia: "Visões e Aparições. Deus continua falando?", A. Murad, Ed. Vozes.

1. Como distinguir se uma aparição é autêntica?
Não podemos afirmar com total certeza, mas alguns critérios nos ajudam:
* Equilíbrio mental do vidente: se a pessoa tem boa saúde psíquica. Indivíduos mentalmente desequilibradas podem ter visões de Nossa Senhora, que são apenas criação de sua imaginação e do seu desejo. Normalmente, os videntes que querem ser reconhecidos pela Igreja, são submetidos a uma junta de profissionais, psiquiatras e psicólogos, para avaliar sua saúde mental.
* Honestidade do vidente e de seu grupo: O vidente e seu grupo devem buscar, com simplicidade, a fidelidade à vontade de Deus, e não seus interesses próprios. Por vezes, a busca de fama, poder ou dinheiro, ou a pressão de parentes e amigos acaba produzindo aparições induzidas nos videntes. Em resposta a estes estímulos, eles passam a criar e repetir mensagens, para atrair o grande público.
* Qualidade da mensagem: a mensagem do vidente deve estar de acordo com o evangelho e a caminhada da Igreja no seu país e no mundo. Deve ser Boa-Notícia, atualização do Evangelho para nós. Se, ao contrário, o vidente só lembra do castigo e da ira de Deus, está esquecendo a mensagem de misericórdia do evangelho (Lc 15). Se o vidente veicula mensagens eivadas de julgamentos e preconceitos contra pessoas e grupos, é sinal que não vem de Deus, mas do engano, do orgulho e da vaidade.
* Frutos das aparições: se o movimento de uma aparição leva muitos cristãos a viver melhor a fé, a esperança e a caridade, é um bom sinal. Também as curas e milagres podem nos dizer que Deus está agindo ali de maneira especial.
Esses quatro critérios podem ajudar você a analisar se um movimento de suposta aparição é bom e digno de crédito.

2. Qual a diferença entre “visão” e “aparição”?
Aparição significa que Maria glorificada se manifestou a um ou mais videntes e lhes deixou uma mensagem, para ser transmitida aos outros. Visão é um tipo de experiência mística extraordinária, na qual uma pessoa afirma ter visto a mãe de Jesus. Normalmente a visão vem acompanhada de uma mensagem. Mas também há místicos que não vêem, mas ouvem vozes de Jesus, de Maria, ou de algum santo. Isso pode acontecer também com qualquer um, alguma vez na vida, em momentos de intensa experiência espiritual. Quando falamos em aparição, estamos qualificando o fenômeno do ponto de vista do Sagrado que provavelmente aí se manifesta. Se dizemos visão, estamos sendo mais cautelosos, pois só dizemos que uma pessoa experimentou algo extraordinário. De qualquer forma, um pretenso vidente necessita de acompanhamento espiritual e humano qualificados, para discernir o que está acontecendo nele e ajudá-lo na caminhada de fé.

3. Os católicos necessitam acreditar nas aparições?
Não. As aparições não fazem parte do credo e dos dogmas católicos. Temos a liberdade de aceitar ou ignorar essa experiência religiosa. As aparições têm seu valor espiritual, mas não são absolutas. Até os pedidos dos videntes - que eles consideram vindos de Maria - como rezar o rosário ou fazer penitência, são apenas conselhos para ajudar a nossa vida cristã. Ninguém é obrigado a segui-los. Se alguém sente que isso a aproxima de Deus e o ajuda a realizar Sua vontade, pode se servir deles. Mas ninguém tem direito de julgar os que não acreditam nas aparições e ignoram os pedidos dos videntes. Por outro lado, os que não crêem em aparições devem respeitar os que pensam diferente deles. O católico pode confiar na experiência e na mensagem de alguns videntes, mas será uma confiança humana, mesmo que haja muitos sinais maravilhosos.

4. Como a Igreja reconhece a autenticidade de uma aparição?
Trata-se de um processo longo e demorado. Abre-se um processo canônico, que começa na diocese onde acontece o fenômeno. Isso exige que o bispo esteja aberto para analisar o fenômeno e creia que pode haver algo “a mais” acontecendo com o vidente. Uma comissão de peritos analisa a situação psíquica do vidente. O mesmo acontece com o teor das suas mensagens. Analisa-se também a qualidade dos sinais extraordinários realizados, especialmente curas e conversões. Passada esta fase, toda a documentação é enviada a Roma, que pode nomear outras comissões para convalidar o processo diocesano. O reconhecimento oficial é muito moderado na sua linguagem. Declara-se que a mensagem do vidente “é digna de fé humana” ou seja, pode ser divulgada e acolhida pelos fiéis, mas não constitui algo original ou obrigatório para a experiência cristã. Aceita-se que no local seja erguido um santuário de louvor a Maria, com o nome que o vidente lhe conferiu. Em momento nenhum, o documento oficial da Igreja declara que Maria apareceu naquele lugar. Por isso, as aparições estão no campo devocional, e náo do dogma.